Nem bom vento, nem bom casamento
Sim, este é mais um texto sobre o apagão. Não tenho qualquer pretensão em oferecer aqui todas as razões para explicar o que aconteceu ou dar soluções. Nem sequer caberia nos caracteres disponíveis. Mas gostaria de enumerar alguns dados que poderão ajudar-nos a reflectir.
É verdade que um antigo adágio popular diz que de Espanha, nem bom vento, nem bom casamento. Pelos vistos, também não podemos contar com boa electricidade… passando a meia graçola à parte, o que isto revela, no fundo, é que não podemos ficar, cegamente, dependentes de outrem para as necessidades mais básicas do nosso país.
Foi referenciado por órgãos de comunicação social, nomeadamente o comentador Miguel Morgado, um acordo que Pedro Passos Coelho, ainda no governo em 2015, tinha assinado para exportarmos electricidade nossa e ficarmos numa rede que nos ligasse a Espanha e França. Essa reforma parou com o governo de António Costa que, só em 2022, faz um outro acordo, privilegiando as energias renováveis. Foram anos perdidos e com uma má solução, pelos vistos. Espanha já tinha apresentado fragilidades nesta área nos últimos tempos – por exemplo, em 8 meses, teve dois apagões, em que o último, com algumas repercussões graves foi há duas semanas - e, como sempre, nós não vimos nada, nem nos apercebemos. Aqui o governo falhou, porque não esteve alerta. Só que este apagão não foi só fruto de estarmos num mercado integrado e dependente: é o reflexo de anos de má gestão, más escolhas políticas, deixar para amanhã o que deveria ter sido tratado ontem. Estamos a falar do fecho de centrais termo-eléctricas (como a do Pego, a de Sines, ou a refinaria de Matosinhos, entre outras) e a falta de verdadeiro planeamento energético. Muito disto, fruto das más iniciativas do Partido Socialista. Partido esse que, de forma lírica, achou que o mundo é mais bonito e mais verde se dependêssemos mais da rede espanhola, onde podemos andar aos saltos pelos campos, qual Julia Andrews a cantarolar nas montanhas da Música no Coração. Não vai correr bem ficarmos dependentes de um só mercado, de um só tipo de energia. João Galamba, ainda ministro, dizia que os portugueses podem estar descansados em 2023. Esqueceu-se é de dizer que já não poderiam em 2025… E é preciso ter uma lata descomunal um ex-ministro das infra-estruturas, Pedro Nuno Santos, que foi um verdadeiro incompetente em qualquer pasta da sua responsabilidade, vir despudoradamente colocar o ónus do que se passou no governo actual. Felizmente, ele não é o primeiro-ministro. Imagine-se, se fosse, como governaria o país através do WhatsApp, se este esteve durante o apagão, por horas, inacessível? Pelos vistos, não será só de Espanha que não temos nem bom vento, nem bom casamento; o mesmo poder-se-á dizer deste PS.
Professora auxiliar da Universidade Autónoma de Lisboa e investigadora (do CIDEHUS).
Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico