Natal de lixo e a ideologia que não recicla
Em cada ato humano há um eco de civilização, mas também o potencial para o caos. Na quadra natalícia, quando os corações, mesmo os mais empedernidos, tendem a abrir-se ao sentimento de comunidade, somos confrontados com a possibilidade de uma greve que, ao invés de construir, apenas destrói.
Não, não é uma crítica ao direito à greve em si, que é tão essencial ao Homem livre quanto a liberdade de respirar. É, antes, uma crítica à escolha do momento e da forma, que se apresentam, neste caso, como uma ação de cinismo calculado.
Em Lisboa há na esquerda sindical, por vezes, uma espécie de fetiche revolucionário que esquece o seu suposto objetivo maior: a melhoria das condições dos trabalhadores e, por consequência, da sociedade.
Quando um sindicato escolhe fazer greve numa altura de tão grande impacto para as tradições como o Natal, período de paz social, quando as famílias se reúnem e a cidade é invadida pelos aromas das festividades, o gesto deixa de ser um protesto e passa a ser um espetáculo grotesco que transforma o direito laboral num palco para a desordem, ignorando os seus efeitos sobre a saúde pública, o bem-estar das famílias e a harmonia social.
Ora, os sindicatos não ignoram o impacto de suas ações. Sabem que, neste período, as famílias produzem mais resíduos. Sabem que a atividade comercial e de restauração não pode parar. Sabem, acima de tudo, que o lixo acumulado nas ruas é mais do que uma questão estética: é um problema de saúde pública.
Quando clamam por um confronto com Moedas, sacrificam a higiene da cidade e a paz dos cidadãos no altar de uma ideologia que, em última análise, recicla apenas slogans.
A greve, quando bem utilizada, é uma ferramenta nobre. Mas uma greve que coloca a cidade inteira de joelhos, que transforma ruas em depósitos de lixo e deixa no ar o odor do radicalismo sindical, deixa de ser uma ferramenta e passa a ser uma arma. E armas, quando apontadas ao coração dos lisboetas, não constroem nada; apenas dilaceram.
Se é verdade que o Natal é um momento de consumo exacerbado, também é verdade que este consumo está intrinsecamente ligado à partilha e ao convívio. É um reflexo da humanidade no seu desejo de dar e de receber, de criar pontes, de celebrar a vida.
Sabotar este momento, em nome de uma luta que poderia ser travada noutra altura e com outros meios, é abdicar do próprio senso de humanidade que deveria nortear qualquer movimento laboral.
O que os sindicatos precisam entender é que há momentos em que a luta não é apenas contra o empregador, mas contra a perceção pública. E, neste caso, ao transformar o Natal numa trincheira, mergulhando a cidade de Lisboa no lixo e na desilusão, não faz da greve um ato de coragem, mas uma declaração de guerra aos próprios lisboetas.
Revoltar-se contra a injustiça é digno. Mas revoltar-se contra a harmonia social, especialmente no Natal, é, no mínimo, uma ironia mal reciclada. Os sindicatos ainda vão a tempo de aceitarem o diálogo proposto por Carlos Moedas e optarem pela negociação. Espero que o bom senso prevaleça.