Má Gestão - 2
Não foram poucas as vezes em que fui acusado de ter uma postura demasiado “corporativa”, por defender a classe profissional a que pertenço de diversos ataques que, em especial ao longo dos últimos 20 anos, visaram o seu profissionalismo, a sua competência ou a sua capacidade para lidar com as sucessivas mudanças no quotidiano escolar.
Isso não me incomoda muito, como não incomodará tal acusação a um médico, advogado, polícia, enfermeiro ou mesmo político em relação às suas “corporações”, porque não acredito que se envergonhem de ser o que são. O que não significa que, olhando para “dentro”, não seja capaz de ver os erros cometidos, as más práticas ou os aspectos que podem e devem ser melhorados, defendendo há muito a existência de um código deontológico para a docência ou mesmo para as “profissões da Educação”.
Reconheço, sem especial hesitação, que algumas práticas de má gestão das escolas não se devem apenas a erros crassos da tutela ou a opções políticas profundamente erradas, mas também à forma como, no interior das escolas, se deixou que acontecessem situações que só poderão ser consideradas vantajosas para micro-grupos de poder que se foram instalando nas suas estruturas de chefia, dita “intermédia”, das organizações escolares.
Para satisfação de alguns(mas) vou, desta vez, deixar de lado a crítica directa ao modelo único de gestão escolar, embora indirectamente a responsabilidade por boa parte do que descreverei de modo muito sumário também seja de quem acaba por ter a primeira e última responsabilidade pela distribuição do chamado “crédito horário”.
Porque nas escolas, em vez de dinheiro, “traficam-se” influências com base no tempo, “mercadoria” que, numa perspectiva existencial, é capaz de ser mais valiosa do que bens materiais ou remunerações directas. Afinal, receber o mesmo por menos horas de trabalho efectivo em sala de aula, pode ser mais compensador do que algumas centenas de euros. Acreditem que sim.
Não falo de menos horas de trabalho por motivos de idade ou saúde, mas por cargos ou funções de “coordenação”. E também não falo da coordenação de departamentos ou grupos disciplinares, mas sim de múltiplas variações de “projectos” ou “equipas”.
Há poucos dias, em roda de amigos, partilhavam-se os horários lectivos de quem, mais ou menos com a mesma idade, pode dar tantas aulas quanto dois ou três “colegas” juntos, mas com a “coordenação” do que, em tantos casos, pouca relevância tem para as tão minguadas “aprendizagens dos alunos”. Não estou a apoucar a relevância das actividades extra-curriculares que enriquecem a vida escolar dos alunos, mas a contestar a concentração assimétrica de “créditos” nos tais micro-grupos de poder, sobrecarregando a maioria com os “débitos”.
Quando se fala tanto na falta de professores, será razoável ver gente sentada horas a fio a “coordenar”?
Professor do Ensino Básico.
Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico