Muita parra e pouca uva

Publicado a
Atualizado a

Depois do terramoto de 7 novembro, em São Bento, que culminou na demissão de António Costa do cargo de primeiro-ministro e na dissolução da Assembleia da República, o Ministério Público fez tremer, na passada semana, a Madeira. Consequentemente, será quase certo que este ano será ainda mais recheado de eleições - a confirmar-se, serão quatro: legislativas, europeias, regionais açorianas e madeirenses. Porém, considerando a gravidade do facto de que metade derivam de demissões fundadas nas suspeitas de corrupção e infrações conexas, e de que as taxas de abstenção verificadas nos atos eleitorais mais recentes oscilam entre os 46,4% (eleições autárquicas de 2021) e os 69,33% (eleições europeias de 2019), pergunto-me se estarão os responsáveis políticos - sobretudo, os futuros - preocupados com as perceções dos cidadãos e com as consequências das mesmas.

Luís Montenegro, na sua crónica indecisão, demonstrou com a crise política na Madeira - assim como noutros episódios passados - a sua incapacidade de se afirmar. Pedro Nuno Santos, embora mais carismático e retoricamente mais certeiro, já demonstrou em experiências governativas anteriores que, ao contrário do que apregoa, não é um grande concretizador. Em suma, e de outro modo não seria este o estado em que estaríamos, vê-se muita parra e pouca uva.

Dúvidas haja, o Índice de Perceção da Corrupção (IPC) 2023, publicado ontem, dissipa-as categoricamente. Desde que foi alterada, em 2012, a metodologia desta publicação anual da Transparency International, esta foi - a par de 2020 - a pontuação mais baixa obtida por Portugal (61 pontos em 100). Assim, e numa observação que ainda não considera a queda do Governo, o país mantém-se abaixo da média da União Europeia e da Europa Ocidental, naquele que é um evidente insucesso em matéria de prevenção e combate à corrupção.

De facto, como podem os vários setores da sociedade percecionar o país como transparente quando é passível um ex-primeiro-ministro interpor 40 recursos ainda antes de o caso ir a julgamento, ou quando a própria Estratégia Nacional de Combate à Corrupção (ENCC) é omissa quanto aos principais órgãos políticos, aos órgãos de soberania e ao Banco de Portugal? Naturalmente, não podem.

Contudo, o que não pode mesmo prevalecer é a ideia de que a Justiça é forte com os fracos e fraca com os fortes.

Além disso, há também uma dimensão económica associada a esta perceção que não deve ser descurada: a pontuação dos países no IPC está positivamente correlacionada com o PIB per capita dos mesmos. Ou seja, uma pontuação mais baixa neste índice revela um PIB per capita mais baixo. Então, é seguro afirmar que uma maior perceção do fenómeno reflete mesmo mais corrupção, não por serem juízos subjetivos, mas porque esta é indissociável de menores níveis de desenvolvimento socioeconómico, bem como de instituições mais frágeis.

Surpreendentemente, no ano em que a democracia completa 50 anos, parece não estarmos preocupados com a atual normalização do irregular funcionamento das instituições democráticas. Mais, parece ainda não ter entrado na cabeça de muitos que não cabe à política ou à sociedade discutir os processos judiciais, mas sim discutir a ética dos representantes, e se a Justiça está munida dos recursos adequados para garantir um pilar crucial num Estado de Direito.

Como ouvi numa entrevista recente a António João Maia, professor de Ética no ISCSP/Universidade de Lisboa: “Portugal é só corrupção? Era bom que fosse, mas não é.” De acordo, mas combatê-la ajudaria, em muito, a combater alguns dos problemas estruturais que se impõem. Erradicá-la será utópico, mas urge, como recomendado por diversos fora internacionais (à cabeça: GRECO e OCDE), mudar padrões de comportamento e funcionamento, de forma a reparar o Contrato Social entre os cidadãos e as instituições. Isto, caso queiramos continuar a ter uma democracia para celebrar.


Mestre em Desenvolvimento Internacional e Políticas Públicas;
Membro Fundador da All4Integrity

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt