Moedas fez mal as contas, mas andará longe da verdade?
A criminalidade geral e violenta está a diminuir em Lisboa, segundo um relatório do Governo (ver notícia publicada esta terça-feira). A divulgação destes dados contraria a perceção do autarca da capital, Carlos Moedas, que numa entrevista ao DN, no início do ano, defendeu que “hoje há mais crimes violentos em Lisboa e as pessoas estão preocupadas”.
As declarações de Carlos Moedas foram criticadas por muitos e os dados do relatório que hoje noticiamos apontam no sentido de uma desconexão entre os números e as perceções de Moedas e outros observadores. Mas isso não significa que as declarações do autarca não sejam dignas de reflexão e de ser tidas em conta.
Quando estamos a falar de perceções, tudo se torna relativo. Os dados oficiais indicam que Lisboa é hoje uma cidade muito mais segura do que no início do século ou do que há 30 ou 40 anos. Há menos assaltos e o número de outros crimes violentos também diminuiu. Mas é também uma cidade mais envelhecida, mais aburguesada e gentrificada.
Einstein terá dito que “quando um homem se senta ao lado de uma mulher bonita por uma hora, parece que passou um minuto. Mas se ele se sentar em cima de um fogão quente por um minuto parece que passou mais de uma hora. Isso é relatividade”.
Uma explicação possível é que, com uma população composta, em larga medida, por pessoas com mais de 50 anos e uma comunidade crescente de estrangeiros endinheirados (que compõem uma boa parte dos 21 mil milionários e, quiçá, dos três bilionários que, segundo alguns estudos habitam em Lisboa), a tolerância em relação à criminalidade violenta será hoje menor do que era nos anos 80 e 90, no tempo em que a Baixa da cidade era um espaço degradado e o Casal Ventoso uma ferida aberta. Hoje os lisboetas são, em média, mais velhos, mais burgueses e têm mais a perder.
De resto, embora os números oficiais contrariem essa perceção de que a criminalidade está a aumentar, não podemos ignorar que estamos a assistir ao surgimento de novas ameaças, como o cibercrime, o crime organizado e o branqueamento de capitais que lhe está associado, bem como o tráfico de droga, incluindo de novas fórmulas sintéticas que estão a fazer com que o nosso país passe de importador a fabricante, e até exportador dessas substâncias.
Esse tipo de crime não se vê nas ruas, pelo menos não da forma a que estamos habituados, porque se trata de criminosos profissionais e bem vestidos, que vivem em apartamentos de luxo numa Lisboa onde os portugueses comuns já não conseguem comprar casa. E que contam com redes de apoio em Portugal, a nível de assessoria jurídica e financeira, que lhes permitem fazer negócios supostamente legítimos para branquear os proveitos do crime.
Moedas pode ter feito mal as contas, mas não andará longe da verdade.
Diretor do Diário de Notícias