“Mística” e investimento no futebol português
No futebol português, os principais problemas dos clubes são: (i) gestão pouco profissional; (ii) crónica escassez de capital; (iii) mentalidade “proprietária” dos sócios.
A busca de investidores financeiramente robustos é crucial e nos últimos anos assistimos à forte entrada de private equities no futebol europeu. Apesar de o potencial do futebol português para investidores passar ao lado da finança lusa, o modelo de negócio que lhe é estranho é apelativo para uma série de investidores estrangeiros que controlam já mais de metade dos clubes na 1.ª e 2.ª divisões dos campeonatos de futebol. Abrir as SAD dos clubes a entidades financeiramente robustas é a única saída para continuar a competir ao mais alto nível.
Foi isso que sucedeu no caso do Famalicão (SAD controlada pelo Quantum Pacific Group), do Portimonense (SAD controlada pelo brasileiro Theodoro Fonseca), do Vizela (SAD controlada pelo fundo F. Karpia, da Malásia), do Boavista (SAD controlada pela Joga Bonito, do espanhol-luxemburguês Gérard Lopez), do Estoril (SAD controlada pelo fundo MSP Sports Capital), do Casa Pia (SAD controlada pelo fundo MSD Capital), do Estrela da Amadora (SAD controlada pelo fundo My Football Club), do Rio Ave (SAD controlada pelo armador grego Marinakis), do Vitória de Guimarães (24% da SAD pertence à americana VSports) e do Sporting de Braga (29% da SAD é detida pela Qatar Sports Investiments).
Há também projetos falhados - como no CF Belenenses, no Olhanense, na UD Leiria, no Beira-Mar SC, no Atlético CP e no D. Aves - porque as SAD respetivas perderam capacidade financeira ou entraram em conflito com os sócios do clube.
Para muitos adeptos o clube deve pertencer apenas aos sócios da associação desportiva, não aos acionistas da SAD. Esta mentalidade “proprietária” dos sócios esteve bem presente na recente AG extraordinária do SC Braga.
O futebol profissional tornou-se um desporto-entretenimento de massas, de contornos proto-religiosos em torno da respetiva “mística” (!). Os avultados montantes de direitos de transmissão televisiva, os prémios monetários das competições da UEFA e as mais-valias de vendas de passes de jogadores jovens potenciaram a transformação dos clubes em empresas geridas de forma profissional, como é normal numa indústria movimentando volumes de faturação elevados.
Em Portugal apenas os três maiores clubes resistem ainda à entrada de investidores robustos / fundos de investimento no capital das SAD. Provavelmente é um estertor final por parte dos atuais gestores. Os três grandes do futebol profissional português são precisamente dos clubes europeus com maior potencial de valorização enquanto ativo de investimento.
Todavia, a incerteza quanto ao resultado de uma due diligence [financeira] a qualquer deles não ajuda. Os sócios já hoje em dia percebem que, no cenário nacional e europeu, só é possível ser competitivo a alto nível se for possível alcançar a excelência na gestão (incluindo a financeira) e dispor de meios para ter jogadores e outros profissionais de elevado rendimento. E, mais tarde ou mais cedo, abrirão [a maioria d]o capital da SAD a investidores que aportem ao clube montantes vultuosos. Os sócios ficam com a mística, os acionistas da SAD com os benefícios (e os riscos) subjacentes ao investimento no clube. É assim na Europa, será assim em Portugal.
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