Num dia de março de 2000, embarquei para Cape Town, na África do Sul, carregado de bagagem desportiva, incluindo bicicletas de competição. A minha semana de férias de governante seria consumida nas oito etapas da mais dura das provas mundiais de mountain biking: a Cape Epic.Chegámos, treinámos na Mountain Table e, no briefing da primeira etapa, as 300 equipas de todo o mundo foram informadas de que a prova estava cancelada. No tempo que durou o voo até África, o mundo havia mudado. Espaço aéreo fechado, restrições de circulação, confinamentos.Cinco anos. Quem diria? Há meia década, o mundo inteiro estava a aprender o que significava a palavra “pandemia” no seu sentido mais visceral. O álcool-gel tornava-se perfume, as máscaras cobriam expressões e os supermercados eram arenas de batalhas épicas pelo último rolo de papel higiénico. Hoje, já ninguém esteriliza as compras como se fossem urânio enriquecido, mas a covid-19 permanece na memória coletiva como uma cicatriz teimosa.O quinto aniversário da pandemia não vem com bolos, nem velas (nem convites para mais de cinco pessoas). Mas há espaço para reflexão. Lembramo-nos da febre dos Zooms, das danças virais no TikTok, das teorias da conspiração que iam da sopa de morcego aos chips implantados na vacina. Entre DGS, OMS e VAR (não, espera, este é do futebol), todos nos tornámos especialistas de sofá em virologia. A frase “tens de desinfetar as mãos” ecoa nas nossas cabeças como um mantra moderno, um pai-nosso da era pandémica.Mudámos. E muito. Aqueles que antes fugiam da tecnologia tiveram de abraçá-la: os avós descobriram o WhatsApp, os pais aprenderam a partilhar PDF e até o gato lá de casa passou a miar em frente à câmara do computador. Mas talvez a maior mudança tenha sido a forma como encaramos o tempo. Cinco anos depois, continuamos a perguntar: em que ano estamos? O tempo derreteu-se durante aqueles meses de confinamento e agora, ao tentar lembrar em que ano determinada coisa aconteceu, hesitamos. Foi antes da pandemia? Durante? Ou depois daquele período em que ainda fingíamos que o mundo estava em stand-by?Olhamos para trás e vemos que, apesar das perdas e do medo, também houve algo de humano naquela desordem. Cantámos nas varandas, fizemos pão caseiro, aplaudimos os profissionais de saúde como se fossem estrelas de rock. Redescobrimos o valor das coisas simples - um abraço, um passeio ao ar livre, um jantar em grupo. E talvez seja essa a lição maior: quando o mundo parou, percebemos o que realmente nos faz falta.Cinco anos depois, já ninguém se afasta em pânico ao ouvir um espirro no autocarro. Mas se há algo que a pandemia nos ensinou é que a normalidade é uma ilusão frágil. E que, da próxima vez que nos disserem para lavarmos as mãos, talvez seja mesmo boa ideia ouvir. Professor catedrático