Mas os territórios, Senhor, porque lhes dais tanta dor?!... Porque padecem assim?!...(1)
Portugal é, como é sabido, o estado nação europeu com o território definido há mais tempo, vai para oito séculos.
É verdade que os portugueses percorreram, e percorrem, “as sete partidas do mundo”. Deambulámos pelas costas de África, dobrámos cabos reais e imaginários, embarcámos as especiarias que deram sabor e colorido à Europa e, até, conseguimos convencer o mundo que, por engano, chegámos ao que viria a ser o Brasil. Os serviços secretos de hoje muito teriam a aprender com o nosso século XV e a sua bem sucedida política de segredo.
Mas, se percorremos o mundo, fizemo-lo sempre a partir de um território europeu que, antes das nossas investidas marítimas, já estava definido. Território a que sempre voltámos, e voltamos, qual porto de abrigo que, com frequência, diminuímos por comparação com a imensidão dos novos territórios a que fomos e vamos chegando.
E a verdade é que entre a ancestralidade territorial e as várias modernidades não prestámos a atenção que devíamos ao nosso território.
A distribuição da população, e da riqueza, não tem homogeneidade nem racionalidade, para não dizer que representa um abdicacionismo da soberania por não exercício da posse.
Basta atentar na distribuição de deputados para a Assembleia da República para, com dois ou três exemplos, se perceber o que estamos a dizer.
O círculo de Lisboa, com 48 deputados, ou seja, um por cada 39.856 eleitores, compara com o círculo da Guarda, com três deputados, um por cada 46.507 eleitores. Falando de território, cada deputado do círculo de Lisboa “representa” 57 km2; já cada deputado da Guarda “responde” por 1839 km2.
Após um debate gorado sobre regionalização e o fim dos governos civis, continuamos alegremente a ser incapazes de dar uma nova organização ao território e a eleger deputados com base em círculos eleitorais que hoje ninguém saberá muito bem o que são ou o que representam.
Os portugueses desde há quase um século que são, pelo menos, perto de nove milhões. Hoje seremos cerca de 11 milhões. Começámos por nos deslocar de leste para oeste, vindo do interior para o litoral. A menos que as projeções demográficas estejam erradas, e nos comecemos a reproduzir em regime de cunicultura, devemos estar todos a caminho de viver num semicírculo com o centro no Bugio e um raio de 80km. Semicírculo onde se localizará, pelo menos, o seguinte: a capital do país e a sua área metropolitana, hoje com três milhões de habitantes (25% do país), um aeroporto internacional com capacidade até 100 milhões de passageiros, um terminal da linha de alta velocidade que, por enquanto, termina no Carregado (tal como em 1856), uma nova ponte rodoferroviária sobre o Tejo e um túnel rodoviário sob o Tejo.
Ou os demógrafos estão errados nas suas previsões, ou vamos acolher milhões de imigrantes, ou os portugueses vão todos viver para Lisboa, ou os portugueses vão entrar em modo de cunicultura.
Assim, teremos casas, mas nunca onde são necessárias, escolas onde não teremos crianças, a segurança será uma miragem, a qualidade de vida não se alcançará, os transportes nunca serão suficientes e o território ficará dividido entre a sobre ocupação e a desertificação. É isto que queremos?
E, sobretudo, nunca teremos recursos para tanto desperdício…
Advogado e gestor
(1) Adaptação livre do poema de Augusto Gil, A Neve