Manuel, o direito civil e o mestrado

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Em meados de julho, no encerramento do último curso de formação de magistrados, disse o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em termos expressivos, que era urgente mudar a lei de ingresso nas magistraturas. E mais do que isso: que o governo deveria atuar por forma a haver novas regras já nos primeiros dias de janeiro. Evocando a experiência de professor de Processo Civil, contou a história de um antigo aluno, a que chamou Manuel, em que terá descoberto vocação para ser magistrado. Depois de licenciatura e mestrado forense concluídos com excelentes notas e mais algum tempo de preparação, Manuel soçobraria no acesso ao Centro de Estudos Judiciários frente a um “anacrónico regime legal”, por não ter atingido o 10 na prova de Direito Civil (contrariamente, conclui-se, aos futuros magistrados que ali tinha à sua frente, naquela cerimónia).

Remataria o Presidente: o que se passou com o Manuel e demais “não se pode voltar a repetir, uma vez que é uma escolha democrática e a consequente legitimidade dos titulares de um poder soberano que está em causa”.

Este episódio veio-me à lembrança ouvindo um governante anunciar os resultados do último Conselho de Ministros: “Aprovámos um diploma para corrigir as dificuldades crescentes no recrutamento de juízes” (no último concurso existiam, segundo o Presidente, um pouco mais de 550 candidatos para uma centena de vagas). E o que de mais concreto ficou dito de seguida foi isto : “Era obrigatório para os candidatos terem mestrado, o entendimento agora é o de que a licenciatura é suficiente.”

Não é fácil ver como poderia a dispensa da exigência de mestrado ter ajudado a resolver o problema da nota do Manuel em Direito Civil…mas a história, com toda esta simplificação, fica mal contada. Desde a última reforma de fundo, que acabou também com a controversa exigência de dois anos de espera desde a data da licenciatura para se poder concorrer ao CEJ, funcionam duas vias de acesso: uma designada por via académica (onde é requerido mestrado) e outra, designada por via profissional, onde há requisitos doutra natureza e essa exigência não está prevista.

Haverá toda a justificação para que o Parlamento se debruce, e a fundo, sobre a iniciativa anunciada, ouvindo quem deve, e proceda à atualização das regras sobre o recrutamento de juízes e procuradores (então menos importante, do modo como têm vindo a ser aplicadas, desde que foram consagradas, no essencial, em resultado dum “acordo político parlamentar” celebrado em 2006). Mas num país que se orgulha de ter a geração mais qualificada de sempre será inspirador para os próprios juízes colocar agora o debate sob o signo do recuo do mestrado para “o entendimento de que a licenciatura é suficiente”? E será que com isso se evita que continuem a contar-se histórias como a do Manuel?

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