Manifesto

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Raramente participo na assinatura de manifestos ou de abaixo assinados sobre matérias de relevância pública.

Fi-lo em relação ao Manifesto para a Reforma da Justiça por motivos que tenho gosto e interesse em partilhar com os leitores do DN.

Assinei, em primeiro lugar porque sinto que existem alguns indicadores sobre alguns processos que são de tal modo intrigantes que haverá certamente muitos aspetos a melhorar no sector da Justiça.

Não tendo eu uma formação jurídica, mas seguindo com alguma atenção o que se tem passado com o funcionamento desta área tão relevante da nossa vida coletiva, tenho conhecimento de, pelo menos, um processo que ao fim de 20 anos não poderá ser levado a julgamento porque todas a testemunhas já faleceram ou de outro em que a decisão final colheu de surpresa um dos interessados, pois desde o início do processo tinham decorrido cerca de 29 anos.

Em termos de morosidade da Justiça acresce que temos em curso processos que se arrastam há anos e anos sem que os atrasos sejam todos resultantes das manobras dilatórias dos arguidos e dos seus advogados, mas antes do funcionamento “emperrado” da máquina da Justiça.

Em segundo lugar, assinei porque deixei de acreditar em coincidências quer quanto às violações do segredo de justiça, quer quanto às datas para a divulgação de notícias sobre processos em curso, em particular aqueles que envolvem pessoas com notoriedade pública ou notoriedade política.

Não creio que estas coincidências sejam necessariamente o resultado de uma qualquer ação concertada do ponto de vista político-partidário, mas tenho para mim que se trata sobretudo de uma demonstração de poder por parte de certos sectores do Ministério Público, que se assumem como “seres superiores”, que decidiram desempenhar o papel de reguladores ético-sociais da nossa sociedade.

Tive sempre grande respeito pela atuação do Ministério Público como órgão da Justiça, em quem temos a obrigação de confiar. Confesso muito sinceramente que há muito perdi essa confiança. E perdi-a ao ter hoje uma quase certeza de que existem verdadeiros vasos comunicantes entre certos elementos do MP e alguns elementos da comunicação social, certamente uma pequena minoria, que, de forma bem cirúrgica, coloca nos jornais e nas televisões notícias com o único objetivo de afetar ou destruir o bom nome de determinadas pessoas.

Dir-se-á que as investigações incidem sobre pessoas sobre as quais recaem suspeitas de terem cometido crimes. Concordo, mas em muitos casos - talvez até demasiados - temos verificado que mesmo o próprio MP veio mais tarde a verificar que não tinha sido praticado crime algum.

Não tenho dúvidas de que o MP faz um bom trabalho em muitos e variados casos. Não meço o MP pelo comportamento de alguns dos seus membros. O trabalho realizado no combate ao tráfico de drogas, nas denúncias da violência doméstica ou nos casos de imigração ilegal estão aí para o provar.

Mas pergunto: quantos foram os processos de investigação que resultaram em nada? E quantos foram a julgamento e os réus foram absolvidos? E que contas prestou o MP por esses casos de insucesso que pelo caminho destruíram a reputação de tantos e que fizeram sofrer familiares e amigos?

Não será por acaso que os mais recentes estudos de opinião revelam uma opinião marcadamente negativa quanto ao funcionamento da Justiça e do próprio Ministério Público. Será uma opinião injusta, mas é a perceção que se tem por parte de quem está de fora, como eu.

Antes de eu assinar o Manifesto dei-me conta de que a senhora procuradora-geral expressava a ideia de que não exercia qualquer controlo (assim parecia, pelo menos) sobre o que se passava nos diferentes processos em curso e interroguei-me sobre o modo como funciona internamente o MP. Verifiquei mais tarde, depois de ter assinado o manifesto, que efetivamente a procuradora-geral conhece mal o que se passa nos diferentes processos que correm dentro do Ministério Público.

Sou crítico do Ministério Público? Não, mas sou crítico da forma como o MP, ou pelo menos do modo como alguns dos seus elementos atuam perante todos nós.

Precisamos de respeitar e confiar em quem zela pelo cumprimento das leis e tem a responsabilidade de estudar os casos que merecem ser investigados para que os eventuais prevaricadores sejam levados a tribunal para serem julgados.

E sou também muito crítico do modo como o MP comunica diretamente com o comum dos cidadãos.

Sou crítico dos jornalistas que divulgam as violações do segredo de justiça? Não, mas sou também crítico dos jornalistas que divulgam as informações que lhes chegam para derramar sobre certas pessoas e em determinados momentos processos de intenção eivados de uma maldade incontida.

Não confundo os jornalistas que conheço, e que muito prezo, com outros que parecem viver desta permanente perseguição a quem eles decidiram que são cidadãos a abater.
Considero-me um cidadão livre e independente.

Julgo que a Justiça precisa de ser melhorada e, sobretudo, necessita de adotar procedimentos que a credibilizem e a tornem respeitada aos olhos de todos nós.

Quase dois meses depois de ter assinado este Manifesto, sinto que colaborei numa iniciativa da maior importância para consolidar um sector que eu não conheço bem mas que é fundamental para o funcionamento de uma democracia com equilíbrio entre os seus diferentes órgãos.

O Manifesto além do mais veio revelar muitas das fragilidades do Sistema de Justiça. Basta ver as reações que tiveram alguns dos protagonistas para perceber que valeu a pena assiná-lo e ajudar a divulgá-lo. As reações só por si justificariam a assinatura do Manifesto.

Aguardemos agora pela forma como os dois principais partidos políticos do regime se entendem relativamente às alterações que importa introduzir no Sistema de Justiça. Tenho esperança de que o diálogo entre as partes e o bom senso possam prevalecer.

Nota final: os subscritores deste Manifesto foram alvo de inúmeras acusações de estarem a proteger e a querer esconder situações de corrupção por parte de certos “poderosos”, a que se juntou mais tarde o argumento de que se estava perante uma campanha orquestrada contra o Ministério Público. Tais insinuações, pela parte que me toca, terão sempre como resposta o desprezo e o esquecimento. Nada me move pessoalmente contra seja quem for, mas como procuro ser atento, não posso deixar de me manifestar no sentido de contribuir para a melhoria do funcionamento do nosso sistema democrático. Com a idade, tenho hoje mais dúvidas do que certezas, mas uma certeza tenho seguramente: o sistema democrático tem de ser defendido das ameaças que sobre ele pairam. A forma como o Ministério Público tem atuado em certos processos tem vindo a provocar uma falta de confiança no espírito dos cidadãos que contribui para minar os fundamentos do sistema democrático.

Praia das Maçãs, 26 de julho de 2024.



Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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