Lula é tudo e é nada

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Às vésperas das eleições de 2022, as sondagens diziam que 50% dos brasileiros não votariam em Jair Bolsonaro “de jeito nenhum”. Mas acrescentavam que 46% deles “jamais” escolheriam Lula da Silva. Ou seja, aquele foi um sufrágio decidido pela rejeição. As claques bolsonaristas e lulistas, por si mesmas, não elegeriam ninguém - foram os que optaram por Lula, por o sentir “menos pior” do que Bolsonaro, que resolveram quem seria o presidente.

Além da base natural, os estatistas na economia e os progressistas no comportamento, os votos em Lula partiram também de ex-eleitores de Fernando Henrique Cardoso, que verbalizou apoio ao velho rival, ou de jovens motoristas de plataformas digitais, ambos segmentos simpáticos à livre iniciativa.

E ainda de católicos e fiéis de outros credos com fortes reservas às questões identitárias.

Mas todos eles - esses eleitores de centro-direita, esses defensores de menos Estado e esses conservadores nos costumes - tendo em comum a certeza de que mais nocivo ao Brasil do que Bolsonaro, Lula não seria de certeza.

Lula, portanto, viu-se no Palácio do Planalto para o terceiro mandato da sua carreira apoiado por uma maioria muito mais heterogénea do que a dos dois primeiros. E uma maioria muito mais heterogénea é também muito mais difícil de gerir.

Quando o presidente apoia a extração de petróleo no Amapá, anima os empresários, mas deixa os ecologistas de cabelos em pé - ou vice-versa. Se concede benefícios fiscais às igrejas, pisca o olho ao eleitorado religioso, mas deixa os ateus desconfiados - ou vice-versa.

No terceiro mandato, Lula é tudo e não é nada.

E as sondagens refletem essa falta de visão, de programa, de desígnio: segundo uma pesquisa da semana passada do instituto Ipec, 62% dos brasileiros são contra a reeleição do presidente, mais 4% do que em setembro. E, entre esses 62%, estão eleitores de baixos rendimentos e da região Nordeste, bastiões do Partido dos Trabalhadores. Só 24%, contra 35% em setembro, consideram a gestão do veterano político “ótima ou boa”, a pior performance do presidente somados os seus três mandatos.

“O Brasil está indo ladeira abaixo. Acredito que este ano possa ocorrer, graças à pressão popular, o impeachment do Lula. A tendência é que o governo viva dias cada vez piores no Congresso.” O autor desta análise é Eduardo Bolsonaro, deputado e terceiro filho do anterior presidente.

“Lula não faz política, está isolado, capturado, é muito difícil perder uma reeleição, mas o Lula está se esforçando muito para perder.” O autor dessa análise, entretanto, é o advogado Antônio de Almeida Castro, conhecido como Kakay, um dos mais vocais apoiantes de Lula por décadas.

O que resta de 2025 e o ano eleitoral de 2026 vão definir se o atual presidente, ou alguém apoiado por ele, ganha as Presidenciais ou se a extrema-direita regressa ao poder, surfando na ressurreição do trumpismo.

Lula, que para já é tudo e não é nada, entra agora na fase do “tudo ou nada”.

Jornalista, correspondente em São Paulo

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