Ler texto escrito à mão já é um “superpoder”
Quem o diz é a gestora de Comunidade do Catálogo do Arquivo Nacional dos Estados Unidos, em Washington, D.C.: “Ler escrita manuscrita é um superpoder.” As palavras de Suzanne Issacs, citadas este fim de semana numa reportagem do USA Today, podem parecer um exagero, mas são a realidade de quem, no dia a dia, não consegue encontrar pessoas suficientes capazes de ler e transcrever documentos que tenham sido escritos à mão - com graves consequências para o registo de dados históricos.
E não se trata de decifrar aqueles manuscritos medievais, à primeira vista indecifráveis - um pesadelo que bem conhecem os estudantes de História. Issacs e outros responsáveis ouvidos pela jornalista Elizabeth Weize do diário norte-americano referem como é difícil arranjar quem saiba ler simples textos bem claros, cartas ou contratos do início do século XX ou do final do século XIX (vinte ou dezanove, já agora, algo que também começa a ser preciso esclarecer, concluí eu há pouco tempo - se talvez não para esta numeração romana em concreto, seguramente quanto a números maiores...)
Esta incapacidade de ler e escrever à mão, algo que continua a ser ensinado nos Estados Unidos, mas as pessoas logo esquecem, esteve patente nas últimas Eleições Presidenciais, em novembro, e foi noticiado, incluindo por mim, aqui no DN: sob o título “No Nevada, jovens que não sabem assinar são um problema”, demos conta de como houve “problemas com os boletins de voto que [tiveram] de ser regularizados porque muitas pessoas, na casa dos 20 anos, [tinham] dificuldade em escrever o nome”.
O secretário de Estado do Nevada, Francisco Aguilar, justificou isto com o facto de estes jovens “viverem num mundo digital” e só saberem assinar de forma eletrónica. Como nunca escrevem à mão, estas pessoas são incapazes de produzir uma assinatura duas vezes da mesma forma.
Só que, simultaneamente, muitos destes indivíduos são mais proficientes do que os seus pais alguma vez serão na utilização das ferramentas digitais - da velocidade de escrita em pequeno ecrã à transação de cripto, passando pela total gestão do dia a dia no smartphone, de forma autossuficiente e sem sequer alguma vez falarem com um único serviço ao cliente (afinal, o telefone é feito para tudo MENOS para fazer chamadas...). Pelo que a pergunta se impõe: quem é mais instrumentalmente analfabeto hoje, os que nem conseguem ler ou escrever o nome à mão ou aqueles que não quiseram ou deixaram de conseguir adaptar-se ao mundo digital que lhes caiu em cima?
Editor do Diário de Notícias