Ler, escrever e contar
Portugal viveu séculos mergulhado na ignorância e no analfabetismo. Lembramo-nos, certamente, das absurdas taxas de analfabetismo total reveladas em 1974 e das avaliações, porventura mais difusas e menos precisas, do analfabetismo funcional.
Toda esta situação era frequentemente mascarada com afirmações de que hoje temos dificuldade em compreender o alcance. Os poderes públicos referiam que as pessoas sabiam ler, escrever e contar; frequentemente as pessoas ultrapassavam a vergonha que a ignorância lhes fazia sentir, dizendo que “sabiam assinar o nome”. No primeiro caso o que acontecia é que, com dificuldade, juntavam letras ou faziam operações aritméticas simples. No segundo, verdadeiramente o que significavam é que sabiam desenhar as letras que compunham o seu nome. Eu ouvi e vi.
Nos 50 anos que começaram com a justamente chamada “reforma Veiga Simão” tudo mudou.
Deixámos de ter analfabetismo, a escolaridade obrigatória desenvolve-se até aos 18 anos e, até, temos permanente notícia do sucesso dos nossos jovens quadros nos vários países para onde emigram.
Em Portugal assistimos ao aparecimento de centros de excelência.
Coimbra distingue-se no domínio da informática e da Inteligência Artificial.
O Instituto Gulbenkian quer ser uma referência mundial na investigação na área das Ciências da Vida, com cerca de 600 investigadores.
As nossas Escolas de Gestão posicionam-se entre as melhores do mundo. O Financial Times coloca seis delas (Nova, Católica Lisboa e Porto, FEUP, ISCTE, ISEG) entre as 100 melhores do mundo.
Estávamos todos a celebrar o nosso sucesso quando a OCDE nos vem dizer que em Portugal “cerca de 40% dos adultos só consegue compreender textos simples e resolver aritmética básica”. E, ainda mais preocupante, o mesmo estudo conclui que só 4% dos adultos demonstra capacidade de “compreender e avaliar textos densos e longos de várias páginas…”.
Ou o relatório está errado ou o nosso sistema de ensino é uma fraude.
Se o INE nos diz que temos dois milhões de licenciados, ou seja, 20% da população, não se pode concluir diversamente.
E não podemos ficar, neste domínio essencial, na opinião, no comentário, ou, pior, no bitaite.
E não é para atribuírem culpas uns aos outros. É para compreender o que se passa e agir de imediato. O interesse nacional impõe-no e os nossos descendentes exigem-no.
É urgente confirmar, ou infirmar, o que diz a OCDE.
Portugal já vive como o opróbrio de múltiplas marginalidades e, desde logo, da marginalidade social de milhões de pobres.
Caminhará Portugal para a vergonha coletiva da marginalidade da literacia?
Tanta desigualdade, tantas desigualdades, e tantas marginalidades só podem levar ao que todos sabemos. Pelo menos os que estudaram, e compreenderam, os manuais de história do Ensino Secundário.
Advogado e gestor