Lembrete sobre varíola e Monkeypox (II)
A varíola era uma doença que existiu, mas que já não existe. Em 1980, foi erradicada pela vacinação.
Era uma doença com manifestações cutâneas, quase sempre, muito exuberantes que permitiam o diagnóstico rápido, sobretudo em contexto epidémico. Nem sempre tinha a mesma gravidade, visto que, por vezes, o quadro clínico era mais ligeiro. Em Portugal, esta forma minor foi designada de "alastrim", enquanto que a erupção intensa era conhecida, em linguagem popular, como "bexigas".
No tempo antes de 1980, as epidemias de varíola eram devastadoras como causa de morte e de doença, em especial de cegueira, quando as lesões atingiam os tecidos oculares. A par da peste, da cólera e da tuberculose, a varíola integrava o grupo das doenças consideradas como major killers.
A varíola era uma infeção exclusiva de seres humanos, sublinhe-se. Nunca houve varíola em animais, nem sequer em macacos. As próprias pessoas doentes eram o reservatório do vírus. Eram elas que transmitiam a infeção por via respiratória, à distância ou por contacto direto com as lesões.
No mundo de hoje, não há varíola. Persiste, no entanto, em África, uma OUTRA doença, mas animal, em macacos e em roedores que é provocada por um vírus aparentado, do mesmo género, mas com genoma diferente: o vírus da monkeypox ou também designado pela sigla VMPX. Há duas estirpes distintas deste vírus: uma descoberta nos roedores e símios da África Ocidental e outra nas florestas do Congo (ex-Zaire). A primeira é menos agressiva. As estirpes do vírus da monkeypox, bem como a doença animal que causam, ainda permanecem porque, naturalmente, nunca houve vacinação de macacos...
CitaçãocitacaoO vírus monkeypox quando provoca uma infeção humana deve ser designada como DOENÇA DO VIRUS MONKEYPOX (e não "varíola-dos-macacos" porque nem é varíola nem em macacos).esquerda
Porém, o vírus da monkeypox pode, em situações raras, transmitir-se a seres humanos em consequência de contacto próximo com animais infetados, sobretudo em pessoas sem a vacina contra a varíola. Uma vez adquirida, a infeção humana por VMPX pode gerar cadeias de transmissão, nomeadamente em pessoas não-protegidas pela vacina antivariólica.
Isto é, nesses casos, a infeção animal foi adquirida por seres humanos. Por isso, é errado designar que determinada pessoa tem "varíola-dos-macacos". O vírus monkeypox quando provoca uma infeção humana deve ser designada como DOENÇA DO VÍRUS MONKEYPOX (e não "varíola-dos-macacos" porque nem é varíola nem em macacos). Aliás, por analogia, este é o método seguido para designar a infeção humana do Ébola que é uma zoonose*: doença do vírus Ébola, porque Ébola é o nome do vírus e não da doença...
Agora, como noticiado, há um surto da doença do vírus monkeypox, que foi recentemente confirmado, em pessoas sem a vacina contra a varíola, em Portugal e, também, no Reino Unido, Espanha, Suécia, Bélgica e Estados Unidos da América, entre outros países.
Antes de tudo, há a realçar a rapidez do diagnóstico clínico e laboratorial, incluindo, pela primeira vez, a sequenciação do genoma do vírus, alcançada pelos especialistas do Instituto Ricardo Jorge. Um sucesso.
Foram perfeitas as respostas conjuntas, em termos de qualidade e sem demoras, tanto de médicos, enfermeiros, gestores, como de cientistas. Um orgulho.
O ganho para toda a Sociedade é bem evidente quando há boa articulação entre as unidades do Serviço Nacional de Saúde, incluindo DGS e Instituto Ricardo Jorge.
* Zoonose é a expressão dada a doenças comuns a animais e seres humanos.
Ex-diretor-geral da Saúde
franciscogeorge@icloud.com