Os grandes líderes revelam-se nas crises, conta-nos a História. Há exemplos fora da política, como o de Katharine Graham, a viúva que se viu, da noite para o dia, dona de um jornal, The Washington Post, e, mesmo sob pressões que jamais imaginara, decidiu publicar os escândalos Pentagon Papers e Watergate em nome da imprensa livre..Ou o de Ernest Shackleton, o explorador que trouxe de volta sã e salva toda a tripulação do Endurance, navio que naufragou na Antártida em pleno inverno, graças a muito sangue frio - gelado, no caso..Além, dos óbvios exemplos de presidentes e primeiros-ministros, como Lincoln, que mudou a História num momento em que os EUA pareciam despedaçar-se, ou Churchill, o primeiro-ministro inglês que viveu, em plena guerra mundial, a sua finest hour..Eduardo Leite, o governador do Rio Grande do Sul, como Graham, Shackleton, Lincoln ou Churchill, está a viver uma situação limite - a terrível catástrofe das enchentes no estado que dirige - mas, ao contrário daqueles determinados e resilientes exemplos, ele hesita, contradiz-se, baralha-se..Depois de as autoridades gaúchas, que lidera, pedirem apoio em forma de doações a que o Brasil, e não só, respondeu de forma avassaladora, Leite chegou à conclusão de que não, de que a onda de solidariedade não era bem-vinda: “Na verdade, quando você tem um volume tão grande de doações físicas chegando ao estado, há um receio sobre o impacto que isso terá no comércio local, o restabelecimento desse comércio fica dificultado.”.Para, no dia seguinte, dizer que “o impacto nos comércios locais vai ser preocupação para um outro momento, não durante esta onda de solidariedade que está nos abraçando, ao falar sobre essa situação eu acabei misturando.”.Alertado há anos para chuvas de enormes proporções no Rio Grande do Sul, contou que na altura estava com a cabeça noutro lugar (cá para nós estava em tórrido romance com o Governo negacionista de Bolsonaro). “Eu tive esses estudos, sim, eles de alguma forma alertam, mas um Governo também vive de outras agendas...”.Depois, disse que se expressou mal: “Que fique claro, nós temos uma série de agendas, mas a do meio ambiente, sem dúvida nenhuma, é importantíssima.”.Numa manhã, disse a’O Globo que, tendo em conta o drama das enchentes, as eleições municipais brasileiras de outubro deviam ser adiadas porque campanha, votação e eventual troca de prefeitos não ajudam na reconstrução - “esse é um debate pertinente”, afirmou..Na noite do mesmo dia, em entrevista na TV Cultura, considerou essa discussão (que ele próprio lançou horas antes) “precipitada”..Eduardo Leite sabe que, por ser branco, de classe média-alta e liberal na economia, não desagrada totalmente ao bolsonarismo raiz. Mas que, por viver em união estável com um homem, também marca pontos na esquerda identitária. Além disso, é o paraíso dos marqueteiros: é jovem, é bem-parecido, é bem-falante..E é ambicioso ao ponto de ter largado o Governo do Rio Grande do Sul para concorrer à Presidência do Brasil em 2022 pelo PSDB. Como, no entanto, perdeu as primárias, ainda tentou concorrer por outro partido, sem sucesso..De mãos a abanar, voltou à base e recandidatou-se ao mesmo Governo estadual que abandonara. Com um bolsonarista limitadíssimo (perdão pela redundância) como rival e o apoio de última hora de Lula, os gaúchos perdoaram-lhe a traição e deram-lhe a vitória. Mas na crise vem se revelando um pequeno líder.