Kamala em apuros: porquê?
As coisas complicam-se para Kamala Harris.
O campo democrata ainda acredita na vitória, mas o nervosismo do lado democrata é crescente. Donald Trump parece estar em boas condições de vencer o voto popular, algo que parecia quase inviável há poucas semanas. As margens nos Estados decisivos continuam curtas, tudo ainda está em aberto, mas a probabilidade do regresso Trump surge, nesta fase, e já tão próximo do dia da eleição, mais provável que o triunfo da democrata. Os mercados de apostas colocam o cenário num 60/40 para a probabilidade de Trump.
Atentemos à “Blue Wall”: os três Estados do norte geralmente caminham na mesma direção na corrida presidencial, mas Harris tem perdido terreno para Trump nas pesquisas, especialmente no Wisconsin. No Michigan, as dúvidas entre os eleitores árabes-americanos preocupam os democratas. Kamala pode ter outro caminho para a vitória que envolveria vencer a Pensilvânia, perder outro Estado da Blue Wall, mas vencer a Carolina do Norte e Nevada. Mas nenhum desses Estados está firmemente no seu campo, nem dois outros Estados indecisos, Arizona e Geórgia.
Se esta eleição fosse um concurso de popularidade, Kamala Harris ganharia. Tem uma taxa de aprovação de 46,5%, ou seja 3,2 pontos percentuais acima da aprovação de Trump. Quanto à reprovação, Harris tem 47,2% de opiniões negativas, ou seja surge com um saldo de aprovação quase equilibrado. Já Trump tem uma reprovação de 52,4%, o que lhe dá quase dez pontos negativos. No entanto, no voto popular, neste momento ambos estão praticamente empatados: só 0,2% para Kamala (média Real Clear Politics). Isto recorda-nos que a Eleição Presidencial americana é muito mais complicada que um mero concurso de popularidade.
Os independentes estão a escolher Trump
Joe Biden venceu os independentes por 11 pontos, em 2020. Em setembro de 2024, há um mês, Kamala subia cinco pontos entre os independentes. Agora, porém, ela está apenas dois pontos acima de um bloco-chave no centro do eleitorado, nove pontos abaixo em relação à posição de Biden no final da campanha de 2020, a nível nacional.
Mais: nos Estados decisivos, essa tendência parece favorecer ainda mais Trump. Olhemos para Michigan, Pensilvânia e Wisconsin: Joe Biden venceu nos independentes por cinco pontos sobre Donald Trump no global desses três Estados. Kamala tem um ponto de atraso sobre Trump - uma diferença de seis pontos a favor de Trump na comparação das duas realidades.
Os independentes são determinantes para quem ganha as eleições? Pelo menos, ajudam a indicar a tendência. Desde 1952, em 18 eleições realizadas, os candidatos que venceram nos independentes venceram a eleição geral em 15 ocasiões. Só Richard Nixon em 1968, Gerald Ford em 1976 e John Kerry em 2004 ganharam os independentes e não foram eleitos.
Dilema Kamala: atacar Trump ou explicar como ajudará quem precisa?
Para vencer, Kamala deveria falar mais sobre as necessidades da classe trabalhadora e menos sobre Trump. É esta a tese de Dustin Guastella, no jornal The Guardian. “As nossas sondagens mostram que a melhor forma de derrotar Trump é oferecer uma plataforma económica convincente que coloque as famílias trabalhadoras em primeiro lugar. A campanha de 2024 entrou na reta final e Kamala planeia atacar Trump como uma ameaça à democracia. Num anúncio oficial de campanha recentemente divulgado, uma voz adverte gravemente que um segundo mandato de Trump “seria pior. Não haveria ninguém para deter os seus piores instintos.”
Num comício recente em Erie, Pensilvânia, Harris lembrou aos seus apoiantes o Project 2025, o “plano detalhado e perigoso” que ela acredita que um Trump “cada vez mais instável e desequilibrado” seguirá para cimentar o “poder desenfreado”. Kamala fez soar o alarme sobre a terrível ameaça que Trump representa às “suas liberdades fundamentais” e como no seu segundo mandato ele estaria “essencialmente imune” à supervisão.
Trump gostava do “tipo de generais que Hitler teve”
Tim Walz acusou Trump de cair na “loucura”, após a entrevista do general John Kelly ter apontado que o ex-presidente ansiava pela lealdade do “tipo de generais que Hitler tinha”; a atmosfera tensa em torno de uma eleição acirrada aumentou significativamente após o artigo do editor da Atlantic, Jeffrey Goldberg, que dizia que Trump havia anotado numa conversa privada enquanto presidente: “Preciso do tipo de generais que Hitler teve.”
O relatório foi fundamentado no artigo do ex-chefe de gabinete de Trump na Casa Branca, John Kelly. A alegada fixação de Trump por Hitler também foi apoiada por material em vários livros.
Numa entrevista separada ao diário The New York Times, Kelly disse que Trump se enquadra na definição de fascista. Durante um comício em Wisconsin, Walz capitalizou novas sugestões sobre o extremismo de Trump, num dia em que outras figuras democratas importantes levantaram o que consideram o terrível espetro de um segundo mandato de Trump desencadeado, enquanto tentam angariar apoio para Harris. “Não sejam sapos na água fervente e pensem que está tudo bem”, disse o governador de Minnesota, que serviu na Guarda Nacional do Exército, referindo-se às revelações da revista The Atlantic. “Como um veterano de 24 anos nas nossas Forças Armadas, isso deixa-me muito doente e deveria deixar-vos doentes também.”
O Centro para a Política da Classe Trabalhadora testou uma variedade de mensagens políticas dirigidas aos eleitores na Pensilvânia, para determinar que tipo de retórica está a funcionar para empurrar os eleitores operários para Harris. Em colaboração com a YouGov, foram entrevistados 1000 eleitores elegíveis na Pensilvânia entre 24 de setembro e 2 de outubro de 2024. As mensagens com enfoque económico e as mensagens que empregavam uma narrativa populista tiveram melhor desempenho em relação às mensagens ao estilo de Trump sobre a competência de Biden, a imigração, as elites corruptas, a teoria racial crítica, a inflação, a integridade eleitoral e as tarifas. Quanto às mensagens de Harris sobre o aborto e a imigração, tiveram resultados piores do que qualquer uma das mensagens económicas ou populistas.
No entanto, nenhuma mensagem foi tão impopular como a da “ameaça democrática”. Entre os eleitores operários, um grupo que se inclina para os republicanos, a mensagem de ameaça democrática foi de impressionantes 14,4 pontos abaixo em relação ao apoio médio às mensagens de Trump. E entre os trabalhadores dos serviços e de escritório com tendências mais liberais, foi também a mensagem menos popular, terminando apenas 1,6 pontos percentuais à frente da média de Trump.
Mesmo entre os mais liberais do grupo e o grupo que mais gostou da mensagem, mal superou as mensagens de Trump.
O exato oposto é verdadeiro para a mensagem “populista forte”. Esta mensagem, que combinava sugestões de política económica progressista com uma forte condenação dos “bilionários”, das “grandes corporações” e dos “políticos de Washington que as servem”, teve melhor resultado junto dos operários, dos serviços, dos trabalhadores administrativos e dos profissionais liberais.
Por irónico que possa parecer, se os democratas estão interessados em defender a democracia, fariam bem em parar de falar sobre isso e passar a tentar persuadir os eleitores com uma visão económica que procure acabar com a deslocalização e os despedimentos em massa, revitalizar a indústria, limitar os preços dos medicamentos sujeitos a receita médica e colocar as famílias trabalhadoras em primeiro lugar. Deveriam soar menos como democratas e mais como populistas.