Kamala a tentar prolongar o 'momentum'

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Kamala Harris chegou à semana da Convenção de Chicago na frente da corrida. Não é uma vantagem que possa fazer descansar, mas, ainda assim, é um avanço significativo.

Nas últimas 12 sondagens nacionais, a democrata aparece na liderança em nove (sendo que por diferença de quatro pontos em três delas). Trump apenas numa e de forma tangencial (Fox News, 50/49). Empate noutras duas.

Mais relevante do que isso é olhar para os estados decisivos. Se pusermos como pressuposto que a Florida será Trump e a Virgínia será Kamala (ainda que as diferenças nestes dois estados não sejam superiores a cinco pontos percentuais, em alguns estudos), podemos, a 77 dias da eleição, isolar os sete estados que vão decidir quem será o próximo presidente dos EUA: Arizona, Nevada e Geórgia (Sun Belt), Carolina do Norte e, depois, Pensilvânia, Michigan e Wisconsin (Rust Belt).

O caminho para a vitória democrata é mais fácil de fazer: basta vencer os três da Cintura da Ferrugem ou, em alternativa, dois deles e a Carolina do Norte ou dois deles e Arizona e Nevada.

A sondagem do Cook Political Report mostra que Kamala passou para a frente na Pensilvânia (+1), Michigan (+3), Wisconsin (+3), Carolina do Norte (+1) e Arizona (+2). A Geórgia está em empate técnico e no Nevada é Trump quem lidera (+3). Aqui, Harris reduziu a distância seis pontos em três semanas. No voto popular Kamala lidera por +3 (51/48, CBS News, 14 a 16 de agosto).

O bom desempenho de Harris traduz-se num grande domínio em segmentos como mulheres, negros e latinos; Trump só aparece claramente à frente nos homens brancos, sobretudo os que têm pouca escolaridade.

A união dos democratas teve um motor: a recuperação rápida

Há um mês, a perceção geral era a de que a Convenção Democrata de Chicago seria uma grande confusão, com forte risco de divisões internas e contestação quanto a quem sairia nomeado.

Nada disso.

A desistência de Joe Biden - embora, para alguns, um pouco tardia - surgiu a tempo de relançar a esperança dos democratas. Foi fundamental que, logo a seguir a ter anunciado aos americanos as razões de abdicar de buscar a reeleição - Biden tenha escrito uma mensagem dirigida aos democratas, endossando claramente a sua vice-presidente. Isso retirou espaço a uma luta real entre vários pretendentes, numa janela temporal manifestamente curta e insuficiente.

Os democratas devem a Biden ter conseguido evitar isso. O resto é mérito de Kamala. Em poucos dias encontrou o tom certo para enfrentar Trump e para energizar a base. As sondagens detetaram a recuperação em poucos dias.

Nas últimas três semanas, quase tudo correu bem a Kamala Harris. Terá, na Convenção de Chicago, os frutos desse bom momento. Depois de Joe Biden no dia de estreia, contará com os dois presidentes democratas anteriores - Barack Obama e Bill Clinton -, além de Hillary Clinton (nomeada presidencial democrata em 2016, pelo que os democratas escolheram duas mulheres nas últimas três nomeações presidenciais). Também merecem destaque as escolhas para falar na Convenção de Pete Buttigieg (secretário dos Transportes da Administração Biden, apontado por muitos como um dos políticos sub-45 mais talentosos da América) e JB Pritzker, governador do Illinois, que chegou a estar na shortlist para a vice-presidência.

Os discursos dos dois nomeados serão especialmente relevantes. De Tim Walz espera-se que consiga mostrar o caso de que é o indicado para unir a base democrata e fazer a ponte dos americanos brancos, sobretudo homens, de escassa escolaridade do Midwest com o resto da coligação Kamala: jovens, negros, latinos, mulheres, eleitores altamente escolarizados.

Quanto a Kamala Harris, e depois do sucesso da mobilização nas últimas três semanas, terá de produzir na Convenção um discurso mais articulado e completo sobre os temas que, de acordo com as sondagens, preocupam o eleitorado: a economia (sobretudo o combate à inflação) e o emprego.

As duas facetas eleitorais da Economia

Kamala Harris revelou, no final da semana passada, o seu plano económico. O local escolhido, a Carolina do Norte, simboliza o estado que poderá indicar um grande sucesso na sua estratégia eleitoral (nas últimas quatro décadas, só por uma vez os democratas lá ganharam uma Eleição Presidencial, com Barack Obama em 2008).

A campanha democrata prevê cortes de impostos a 100 milhões de americanos (os que ganham abaixo de 400 mil dólares/ano); o foco está no preço das casas (cuja inflação é cerca de dez vezes superior à percentagem global de inflações neste momento na América). Kamala quer contribuir para que três milhões de novas casas estejam disponíveis, com incentivo à compra através de benefícios fiscais. Os primeiros compradores terão benefícios ainda maiores e prevê-se a criação de um fundo federal de 40 mil milhões de dólares para apoiar construtores de novas casas.

Outro foco do Plano Kamala são os produtos de mercearia. A ideia de impor tetos máximos de preços na comida pode parecer boa para os consumidores, mas levanta problemas numa economia tão aberta como a norte-americana (e pode gerar efeito contraproducente de grande aumento na procura que leve a mais inflação).

Bem mais consensual é a medida, já preconizada pelo presidente Biden e que Kamala pretende prosseguir, de uma descida “histórica” no preço de medicamentos para idosos.

Olhar para a inflação nos EUA, neste momento, gera sentimentos contraditórios. Por um lado, parece indiscutível que a Administração Biden conseguiu reduzir mais rapidamente que o previsto o pico dos 9,1% de há dois anos (apenas 2,9% em julho), fruto da política bem-sucedida de aumento dos juros praticada pela Fed - que, assim, tem campo aberto para agora baixar os juros  0,5%, provavelmente a 19 ou 20 de setembro, o que poderá colocar mais dinheiro no bolso dos americanos.

No entanto, a inflação tem sido um ponto usado por Trump para atacar Kamala: o candidato republicano sabe que muitos americanos ainda sentem que estão a pagar acima do habitual quando vão ao supermercado ou à bomba de gasolina.

Talvez por isso, Trump lidere Kamala na parte económica (57/43), apesar de a maioria dos eleitores republicanos considerarem que Donald tem de mudar o seu comportamento na campanha, passando a focar-se mais nos temas e menos no lado narcísico da sua personalidade.

Que tipo de Kamala pode derrotar Trump?

Temos visto uma candidata presidencial democrata a apostar quase tudo nas perceções, a projetar uma imagem humana, próxima do americano comum, por isso também a escolher Tim Walz e não Josh Shapiro para vice-presidente.

Recheada de assessores e consultores que trabalharam nos oito anos de Presidência Obama e nas duas campanhas presidenciais vitoriosas de Barack - com David Plouffe à cabeça -, Kamala parece ter aprendido com o que falhou na campanha Hillary Clinton 2016: não basta ser incrivelmente mais bem preparado que o adversário, muito menos produzir vários documentos oficiais de campanha a suportá-lo. É, sobretudo, preciso transmitir confiança e adesão ao que os eleitores nos estados decisivos estão a sentir. É cada vez mais assim que se ganham eleições na América.

Também por isso se está a notar uma Kamala que, em vez de ser a “incumbente” (por ser a herdeira de Biden) se posiciona como challenger do já uma vez presidente Trump.

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