Já não há estrelas no céu

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É curioso como as estrelas, que estão a milhões de anos-luz deste nosso planeta, têm tanta influência na nossa vida. É difícil imaginar como teria sido a nossa evolução sem o céu estrelado que, durante milénios, nos intrigou, assustou, fez sonhar e orientou.

A chegada e disseminação da luz elétrica veio mudar a nossa relação com o céu noturno. São poucas as estrelas que conseguimos ver nas nossas cidades por causa da iluminação exterior. Mesmo fora de ambiente urbano, haverá poucos locais no mundo onde vivam pessoas que consigam ver o céu na sua plenitude. Na verdade, a luz artificial é um contaminante da noite e a poluição luminosa é uma forma de poluição humana, como considerada desde 1979 pelas Nações Unidas, mas poucas vezes tida em conta apesar dos grandes impactos que tem. A alteração do que é a alternância da luz do dia e da noite tem impacto na nossa relação com o céu, mas também consequências sérias na natureza, baralhando o que são os ciclos naturais, a orientação e as migrações, os ciclos reprodutivos de animais e plantas noctívagos e não-noctívagos. Tem também uma enorme influência na saúde humana e na nossa qualidade do sono.

Em Portugal, a poluição luminosa está em todo o território. Aliás, Portugal é dos países da Europa que mais luz emite proporcionalmente à sua população - emite quatro vezes mais do que a Alemanha, por exemplo. E, apesar disso, não há uma política pública consciente e concertada para resolver este problema. E deveria, a par dos programas para redução do ruído e de melhoria da qualidade do ar.

Em 2019, a Assembleia da República recomendou a criação de uma comissão multidisciplinar, técnica e científica, para avaliar e apresentar propostas para mitigação da poluição luminosa e controlo da luz artificial exterior, mas essa recomendação não foi adotada. Em 2023, foi aprovada uma proposta do Livre para a criação dessa comissão e para a realização de um estudo para aferir o grau de contaminação provocado pela luz artificial e seu impacto na biodiversidade, na saúde humana, na qualidade de vida e na qualidade do céu noturno em Portugal. A comissão continua sem estar criada e o estudo não é ainda conhecido. Mas Portugal não pode adiar mais: a poluição luminosa tem de estar na agenda, a bem da preservação do nosso património natural e da nossa saúde.

Na necessária transição energética que temos de fazer, não basta alterar para lâmpadas LED. É preciso regular o nível de emissão de luz e da temperatura da cor da luz, permitindo compatibilizar a iluminação que é necessária para a nossa vida noturna com a redução do seu impacto. E é preciso também regular a utilização de publicidade iluminada.

Temos de recuperar o nosso céu estrelado. Nestes dias de Natal, não podemos deixar de pensar como, agora e neste mundo iluminado, conseguiriam os três Reis Magos encontrar o caminho para Belém?

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