Quando as polícias investigam organizações criminosas de elevada complexidade e capacidade de recursos, a desigualdade de meios raramente não é favorável aos que traficam, aos que matam e aos que corrompem..Esquecendo por instantes os políticos, como do ex-ministro João Galamba, ou o antigo presidente do Sport Lisboa e Benfica, Luís Filipe Vieira, cujas comunicações foram intercetadas durante quatro e três anos, respetivamente, no âmbito de inquéritos criminais, é preciso ter em conta que para conseguir recolher provas que possam levar a julgamento suspeitos de crimes graves e violentos, o tempo pode ser um aliado precioso dos investigadores. É preciso esperar, por vezes, meses, por um deslize, um desabafo, uma troca de mensagens, de nomes..Lembro casos como o dos Hells Angels (86 condenados por associação criminosa, homicídio qualificado na forma tentada, extorsão, roubo, ofensa à integridade física qualificada, tráfico e/ou consumo de droga, crime de dano e posse de arma proibida); o dos 27 membros do Portugal Hammerskins (PHS), o mais violento e organizado grupo de extrema-direita, que responderam em tribunal por 77 crimes, como tentativa de homicídio, ofensa à integridade física qualificada, discriminação racial e sexual e detenção de arma proibida, cujas vítimas foram militantes comunistas e antifascistas, negros, muçulmanos e homossexuais, dos quais 22 foram condenados a penas de entre seis meses a nove anos de prisão; o dos dois irmãos iraquianos Ammar e Yaser Ameen, detidos em setembro de 2021 por suspeitas de pertencerem à organização terrorista “Estado Islâmico”, condenados a 16 e 10 anos de prisão, respetivamente, por crimes de adesão a organização terrorista e crime de guerra; ou casos de tráfico de seres humanos, de exploração de imigrantes..Muitos mais há, mas são exemplos da necessidade de nas investigações as polícias poderem recorrer a todos os meios de obtenção de prova, sejam intrusivos ou não. Sempre com controlo de juízes. .Quando é o princípio da legalidade que dita a investigação criminal, perante qualquer denúncia de crime as autoridades estão obrigadas a investigar. A quem compete avaliar a proporcionalidade da utilização dos meios intrusivos é ao juiz de investigação criminal. Não esquecer que os tribunais são órgãos de soberania. É tenebroso se assinam de olhos fechados..No caso do inquérito Influencer, que atinge Galamba, por exemplo, terão sido 16 juízes a validar as escutas ao longo dos quatro anos. A questão é que, seja para os crimes que envolvem políticos ou outras figuras públicas o Código de Processo Penal não diferencia quem pode ter mais ou menos escutas. A lei é igual para todos..Pensar que é possível continuar a combater os crimes graves, como terrorismo, extremismos, crimes de ódio, tráfico de droga, armas e de seres humanos, entre outros, sem as polícias terem estes recursos, é pura ilusão..A tal desigualdade de meios desequilibrou-se ainda mais desde que a investigação criminal deixou de ter acesso aos metadados das comunicações armazenados durante dois anos pelas operadoras, que permitia em muitas investigações registar o percurso dos suspeitos em dias, meses, antes do crime, fazer a fita do tempo, relacioná-los ou inocentá-los..A isto junta-se a recente encriptação das comunicações cujos remetentes e destinatários as grandes operadoras se recusam a identificar..Uma coisa é certa, boa parte da morosidade nas investigações se atenuaria muito se as polícias tiverem mais meios tecnológicos, mais peritos, mais capacidade de recursos humanos..Também falta mais organização, designadamente em certos Departamentos do Ministério Público por onde passam os processos mais complexos e mediáticos. .Não querendo insistir na ausência do poder de hierarquia que está previsto e do qual a atual procuradora-geral da República abdicou, é comentada no meio policial a diferença de método e gestão de trabalho entre o Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) do Porto, com vários sucessos, e a do DIAP de Lisboa e do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, sendo estes dois últimos alvo de criticas pelo arrastar de processos sem acusação há vários anos - recordo, por exemplo o “Montebranco” de 2012, relacionado com branqueamento de capitais e fraude fiscal, cujo principal suspeito, “Zé das Medalhas” (Francisco Canas), morreu em 2017, sem que o procurador titular, Rosário Teixeira, deduzisse acusação..É também no DCIAP, que centraliza os processos de criminalidade mais complexa e violenta, que um procurador deitou a perder mais de 3 277 mails fundamentais para a prova do caso EDP, em investigação há cerca de 12 anos, porque os abriu sem a autorização judicial e foram considerados prova proibida pelo Supremo Tribunal de Justiça. A responsabilização é imperativa..Mais uma vez, a operação Influencer, que levou à queda do Governo de António Costa, em relação à qual o Tribunal de Relação não encontrou indícios de crimes, também é deste departamento que depende diretamente da Procuradoria-Geral da República. .O diretor do DCIAP, Francisco Narciso, tem obrigação de saber o que fazem as suas equipas (tal como Lucília Gago) e de garantir que as investigações são bem feitas e intocáveis do ponto de vista da legalidade dos atos. .Pôr a “ordem na casa”, a que a ministra da Justiça se comprometeu, pode também passar por aqui. Garantir que há recursos para produzir boas investigações e olhar para os bons modelos de organização no MP para os replicar.