Inveja e ignorância

Publicado a

“Praticamente um terço dos concursos concluídos na CREASAP entre 2020 e 2022 (o último ano disponível) não teve shortlist por não ter sido possível encontrar três candidatos adequados”.

Este texto é do jornalista João Silvestre, publicado no Expresso de 17/01/25.

Quando somos assaltados por “notícias” sem origem ou autor conhecidos temos razões para duvidar de muito do que aparece publicado. Felizmente não é o caso.

Já quanto ao seu conteúdo o caso muda de figura.

Nos últimos tempos ouvimos mais ou menos de tudo em matéria de remunerações de servidores públicos.

Desde cargos em que compreensivelmente funcionários de serviços públicos não querem ver os seus rendimentos diminuídos, apenas porque passam a desenvolver o seu serviço à comunidade noutro departamento, até aqueles que abdicam de rendimentos para poderem trabalhar.

E todos, políticos, comentadores, e aparentados parecem distrair-se na discussão sobre a espuma desconsiderando a seriedade que estas questões revelam.

E não merece a pena explorar os enraizados sentimentos de inveja que pululam entre nós. Não merece a pena estimular a ideia de que o que preocupa cada um não é o que ele próprio é capaz de fazer, mas, antes, o que o vizinho ou o amigo alcançou.

Se todos estes comportamentos já são altamente censuráveis nas relações individuais, quando o que está em causa é a Administração Pública, tudo se agrava.

Não é possível ter um país moderno sem uma Administração Pública capaz e não é possível alcançar tal desiderato sem técnicos e dirigentes bem remunerados.

Este parece ser um problema com o qual o país, a espaços de décadas, se vai confrontando.

Em 1989, o Governo de então aprovou um novo sistema remuneratório que justificava assim: “Adequar a Administração à evolução da sociedade, da economia e da cultura é o desafio em matéria de modernização administrativa...

Com o objectivo de criar condições à Administração para recrutar, manter e desenvolver os recursos humanos necessários à consecução das suas missões.

Reconverter o sistema em vigor há mais de 50 anos e proceder a uma reforma estrutural susceptível de comportar continuadas melhorias qualitativas e quantitativas;

Alcançar uma progressiva competitividade no recrutamento e manutenção dos recursos humanos ao serviço da organização, privilegiando-se, através do alargamento do leque salarial, os grupos de pessoal técnico superior e técnico.”

Nem tudo terá sido perfeito, mas há uma sensação generalizada de que a Administração Pública já funcionou melhor do que agora.

Aquelas afirmações, contidas nos preâmbulos de diplomas legais, são plenas de atualidade. Assim exista coragem para quase 40 anos depois, voltar a olhar para a Administração Pública como prioridade nacional e não como bolsa eleitoral de ocasião.

Advogado e gestor

Diário de Notícias
www.dn.pt