Indústria, luz e magia
Na imensa lista de empresas e profissionais citados no genérico final do novo filme da série Missão Impossível, a certa altura encontramos a Industrial, Light & Magic (ILM), o mítico estúdio de Hollywood vocacionado para a produção de efeitos visuais. Vem, por isso, a propósito referir que a ILM está à beira de completar 50 anos de existência — o seu nascimento ocorreu, de facto, em maio de 1975, servindo ao seu fundador, George Lucas, para a montagem do projeto Star Wars, cujo primeiro título (A Guerra das Estrelas) surgiria dois anos mais tarde.
O senso comum tende a associar a ILM à produção de efeitos especiais, o que, não sendo incorreto, é impreciso, quanto mais não seja porque os referidos efeitos especiais podem também ser sonoros. Ora, o estúdio Lucas dedicou-se, e dedica-se, “apenas” aos efeitos visuais. Vale a pena referir, a propósito, que nos Óscares de Hollywood a categoria de efeitos especiais chegou a existir até 1962 — agora, existe um Óscar que premeia os melhores efeitos visuais e outro o melhor som (tendo coexistido, até 2019, as categorias de melhor montagem sonora e melhor mistura sonora).
Seja como for, o senso comum é persistente nos seus automatismos, a ponto de muitos espectadores cederem ao uso corrente de uma expressão — “filme de efeitos especiais” — que tem tanto de simplista como de equívoco. Porquê? Porque, para lá do conhecimento particular de cada pessoa, a expressão generalizou-se, em termos sociais, como designação de filmes em que encontramos heróis a voar em naves espaciais ou super-heróis a destruir arranha-céus com um sopro...
Importa, sobretudo, não reduzir o tema às produções de um género que, nas últimas décadas, conquistou um enorme poder na indústria e nos mercados de todo o mundo. Dito de outro modo: a noção de efeito especial não é apanágio de Superman ou Batman, mas sim uma componente visceral da história do cinema desde os tempos mais remotos da produção do período mudo.
Se mais exemplos não houvesse, a fascinante herança de Georges Méliès (1861-1938), primitivo entre os primitivos, bastaria para compreendermos que a noção de efeito visual está inscrita na história do cinema desde a época da sua fundação. Para nos ficarmos por títulos realizados há mais de um século, lembremos a criatividade técnica e a ousadia poética das experiências visuais de Méliès em filmes como O Homem da Cabeça de Borracha (1901) ou Viagem à Lua (1902).
Neste tempo em que se endeusa (ou demoniza) tudo o que envolve as novas tecnologias (e, mais recentemente, a Inteligência Artificial), há mecanismos mediáticos que vão formatando os olhares — logo, também os pensamentos —, reduzindo as imagens a categorias esquemáticas que nos “cegam” perante a pluralidade do mundo à nossa volta. Que dizer, por exemplo, da experiência de David Cronenberg em Irmãos Inseparáveis (1988), com dois gémeos, médicos ginecologistas, ambos interpretados por Jeremy Irons? Será preciso sublinhar que, há mais de três décadas, essa conjugação — do mesmo ator na mesma imagem — resultava de uma sofisticada aplicação de efeitos... visuais?
A lista das centenas de títulos que recorreram à experiência da Industrial Light & Magic é impressionante — e, sobretudo, ajuda-nos a perceber que o cinema “com efeitos especiais” está muito longe de se esgotar nas aventuras de super-heróis e afins. Para nos ficarmos pelas primeiras décadas da IML, lembremos que ao seu trabalho recorreram produções tão diversas como Mishima (Paul Schrader, 1985), A Última Tentação de Cristo (Martin Scorsese, 1988) ou Forrest Gump (Robert Zemeckis, 1994). Mais recentemente, a ILM contribuiu, por exemplo, para o tratamento visual de filmes como Mank (David Fincher, 2020) ou Os Fabelmans (Steven Spielberg, 2022). Evitemos, por isso, os fundamentalismos visuais e narrativos: mesmo nas suas formulações mais realistas, o cinema pode nascer da conjugação de elementos assumidamente artificiosos.