Independência energética? É a Sul, estupido(s)! 

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A elite portuguesa tem um problema com o Sul, para lá dos Algarves e muito, muito antes da Taprobana! 

Quando recebemos assistência marroquina e espanhola, nos incêndios do Verão passado, apenas contabilizei uma referência, assim de raspão e apenas num canal, aos dois Canadair cedidos por Marrocos em setembro! Comparativamente, a assistência espanhola parece ser já um ponto de honra, a cada Verão. A geografia “é como o algodão, não engana” e o que o Estreito aproxima entre espanhóis e marroquinos, o mar que já nos uniu, agora separa-nos, a portugueses e marroquinos. Não ficou nada da História do Quotidiano dos pescadores algarvios, da faina de seis meses cá, seis meses lá, das famílias duplas e triplas que constituíram, dos bastardos e primos que nos deixaram. Já a História dos Sefarditas, melhor documentada, confirma a rota do êxodo pelo norte de África, fixação em Marrocos e entrada pelos Algarves, lá tão atrás no tempo, que só nos lembramos do Santo Ofício e da Inquisição! 

De que é que estou a falar? Da necessidade de olharmos a sul, como um bloco, como a “Jangada de Pedra” do Saramago. Estou a falar da interligação electrica entre Espanha e Marrocos, que valeu a nuestros hermanos a assistência dos primos há uma semana; Estou a falar da declaração assinada em 2016, entre Portugal e Marrocos, para a realização de um estudo de viabilidade técnica e económica para um cabo de electricidade unir os dois países, que nunca saiu da gaveta, apesar do remake de dezembro de 2023, com novo papel assinado; Um ano depois, falo da conversa tensa entre os ministros dos negócios estrangeiros, Bourita e Rangel, em novembro de 2024, no qual o MNE marroquino apresentou a folha em branco da cooperação entre os dois países, quando esta conexão electrica é vital para Sines vir a ser uma referência mundial na produção de hidrogénio verde, quando o gasoduto Nigéria-Tânger estiver concluído. Bem sei que aqui ninguém acredita na exequibilidade do projeto e o “esperismo nacional” é a postura espectável, mas há uma novidade importante. A Mauritânia consolida-se este ano enquanto emergente produtor de gás natural (Grande Tortue Ahmeyim e campo BirAllah) em parceria com o Senegal e a BP, vindo reforçar o interesse e exequibilidade económica, nas contrapartidas a oferecer aos consórcios que se projetam para a construção do gasoduto. 

E, não se trata sequer de um dilema, antes a ironia de perceber como apanhar este comboio agora, quando a ligação marítima Portimão-Tânger foi assinada em 2021 e também ainda não saiu do papel? 

Compreendo o preconceito histórico, mas é preciso sair dele, para não se entrar na anedota! 

Politólogo/Arabista 

Professor do Instituto Piaget de Almada 

www.maghreb-machrek.pt 

 O Autor escreve de acordo com a antiga ortografia. 

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