Incêndios. A hora do Lobo
Certamente todos ficamos com um nó no estômago quando vemos as imagens de autarcas no meio dos incêndios, desesperados, a pedir mais meios para o combate às chamas que lhes devoram a florestas, casas e, em alguns caso, lhes ceifam vidas.
Foi aflitivo ver e ouvir Pedro Lobo, o presidente da Câmara Municipal de Sever do Vouga, depois de três dias na “frente de batalha” no corpo, sem dormir, barba por fazer, rosto desolado, a pedir “união às pessoas” para enfrentar “o pior incêndio de sempre” no seu concelho. Os números provisórios apontam para quase cinco mil hectares de área ardida, o que corresponde a perto de 38% do município.
Igualmente dolorosa deve ser a emoção dos autarcas de Castro de Aire, com quase 18 mil hectares ardidos, correspondendo a 47% do concelho; ou de Carregal do Sal com 46%.
Todas as reivindicações são legítimas e, acreditamos, não há cinismo na sua proclamação.
Estes três concelhos, que usamos aqui a título de exemplo por estarem entre os que sofreram a maior percentagem de área ardida, fazem parte das designadas Áreas Prioritárias de Proteção e Segurança (APPS) correspondentes às classes de perigosidade de incêndio rural “elevada” e “muito elevada”, delimitadas numa “Carta de Perigosidade de Incêndio Rural” definida em 2021 pelo Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) e o Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente (GEOTA).
Em Sever do Vouga, 74% do que foi consumido pelo fogo estava dentro da APPS; 75% em Castro de Aire; e 62% em Carregal do Sal.
Só que, como noticiamos nesta edição, este plano, descrito como “uma das principais fontes de informação para o planeamento das medidas de prevenção e combate a incêndios rurais, ao nível não só do ordenamento do território, do ordenamento florestal e da prevenção estrutural, mas também do condicionamento das atividades que ocorrem nos espaços rurais e da alocação dos meios de vigilância e combate”, não viu ainda a luz do dia.
Em 2022, por pressões dos municípios, foi alterado e suspenso até março de 2023, tendo de novo, pelos mesmos motivos, sido suspenso até final deste ano.
Com esta carta em vigor, os municípios ficavam obrigados a gerir o seu território de forma a mitigar esse risco, com condicionantes de vária ordem nos loteamentos, na realização de eventos, orientando medidas para a redução da carga combustível.
O anterior Governo ainda admitiu que este adiamento se devia, sobretudo, às “restrições a nível de edificação e de realização de atividades culturais, desportivas ou outros eventos”.
Contas feitas, dos 118 mil hectares de área ardida na semana entre 13 e 19 de setembro, 73,5% estavam em zonas classificadas como de risco alto e muito alto.
É aqui que chegamos à “hora do lobo”, que pode ser personificada no autarca Pedro, que também é Lobo. É a esta hora que chegam os arrependimentos, os pesadelos e os fantasmas. E a pergunta teima em querer sair da garganta. E se?
Os municípios que quiseram travar esta medida (ainda em junho os do distrito de Leiria voltaram a insistir que fosse de novo suspensa) e os governantes que lhes cederam devem ter a resposta.