Imigração: o alfa, o ómega e o que aí vem

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O relativo sucesso da economia portuguesa nos últimos dez anos assentou, em grande parte, na robustez do mercado de trabalho. A chegada de muitos milhares de imigrantes, em poucos anos, permitiu suportar o forte crescimento de setores como o turismo, a restauração e a agricultura intensiva. As empresas destes setores beneficiaram com a vinda de mão de obra barata. E o Estado ganhou com o facto de existirem mais pessoas a pagar impostos e a descontar para a Segurança Social. Este mercado de trabalho robusto constituiu o alicerce da estratégia económica de António Costa e Mário Centeno. A par de uma carga fiscal relativamente elevada e das célebres cativações orçamentais, que vinham do tempo da troika e permitiram manter o défice sob controlo. E, assim, as vacas puderam voar, fazendo o que muitos consideravam impossível.

Neste contexto, a abertura à imigração foi uma decisão racional, numa altura em que o país precisava de mão de obra como de pão para a boca. Os riscos terão sido ponderados, mas talvez não se tenha antecipado o impacto que ocorreria no próprio sistema político. Entre 2015 e 2025, o número de estrangeiros em Portugal passou de 400 mil para cerca de 1,6 milhões, passando a representar cerca de 15% da população residente. Mais uma vez, analisando os acontecimentos com o distanciamento que apenas a passagem do tempo permite, é fácil compreender que muitos portugueses não estavam preparados para uma mudança tão rápida e significativa.

Além disso, os serviços públicos não estavam preparados para dar resposta a estas mudanças, nomeadamente na educação, onde de um dia para o outro passaram a existir turmas compostas em grande parte por alunos sem qualquer conhecimento prévio da língua portuguesa. O mesmo sucedeu nas creches, onde já existia falta de capacidade de resposta muito antes do boom migratório.

De igual modo, também o mercado imobiliário terá sido impactado pela chegada de centenas de milhar de imigrantes, sobretudo nas periferias das grandes cidades, acentuando a crise da habitação, embora alguns políticos ignorem este aspeto e apenas se refiram aos vistos gold, aos migrantes endinheirados, à gentrificação e ao Alojamento Local como as causas da crise da habitação.

Junte-se a isto os problemas na Saúde e na Justiça, que muito devem à falta de investimento público que ocorreu desde a intervenção da troika, e temos um cocktail perfeito para os movimentos antissistema e anti-imigração ganharem apoio popular, sobretudo numa altura em que uma grande parte da população se “informa” quase exclusivamente através de redes sociais onde pontificam influenciadores e outros propagandistas que ajudaram a criar uma sensação de insegurança que não assenta em dados comprováveis.

O facto de os partidos de esquerda não terem sido capazes de enxergar esta realidade, atribuindo as reticências em relação à imigração a um suposto racismo estrutural que existiria na sociedade portuguesa, terá contribuído fortemente para a sua forte derrota nas últimas eleições, como se comprova pelo facto de ter ocorrido uma transferência direta de votos do PS para o Chega. Isto é o que acontece quando os partidos se fecham sobre si e os seus dogmas de fé, perdendo o contacto com a realidade das pessoas comuns. Claro que há racismo e xenofobia em Portugal, como em qualquer outro país, mas ninguém pode acreditar seriamente que os xenófobos representam 70% da população (percentagem que estará contra o aumento do número de imigrantes, segundo uma sondagem da Católica de setembro último). Que muitas pessoas com responsabilidades no PS e no Bloco de Esquerda continuem sem entender o que aconteceu é, no mínimo, trágico, porque impede estes partidos de darem resposta aos anseios das populações. Foi assim que chegámos a uma situação em que, como alguém escreveu, a imigração se tornou o alfa e o ómega do debate político em Portugal.

Porém, esta realidade pode estar prestes a mudar. O fim do sistema das manifestações de interesse levou a uma redução significativa das entradas de estrangeiros e a nova legislação vai colocar ainda mais entraves. O Governo assumiu há dias, pela voz de Leitão Amaro, que a economia vai ter de se adaptar. Por outras palavras, a economia - que em 2024 cresceu duas vezes mais que a média europeia precisamente devido ao trabalho dos imigrantes - vai sofrer com a falta de mão de obra, sobretudo porque não se vislumbra uma alternativa ao modelo que Costa e Centeno criaram há uma década. E também porque há outros fatores, como os riscos geopolíticos, que vão continuar a condicionar a economia global num futuro próximo. O país precisa de uma nova estratégia que permita manter o crescimento económico de que necessita para manter o seu modelo social, sob pena de virmos a ter ainda mais problemas de coesão.

* Diretor do Diário de Notícias

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