Há quinze dias escrevia aqui que as capacidades de acolhimento do Estado são limitadas. Isso vale para toda a rede de direitos sociais - escolas, hospitais, habitação - e vale ainda para os direitos civis e políticos, quando, também eles requerem prestações públicas. A Justiça é uma delas..Até ser revogado o mecanismo das “manifestações de interesse”, entravam na AIMA diariamente muitas centenas de pedidos de cidadãos que haviam chegado ao país, atraídos pelo mesmo. Um mecanismo que, lembre-se, permitia que se entrasse em Portugal sem se declarar que se pretendia aqui viver, prometendo depois a regularização. Uma promessa que rapidamente se percebeu que não se conseguia cumprir, por falta de pessoas que decidissem o agigantado volume de pedidos. Os telefones da AIMA não eram atendidos. As pessoas queriam ir passar férias aos seus países e não sabiam se as “manifestações de interesse” lhes permitiam regressar. Os bancos não lhes abriam contas, os proprietários não lhes arrendavam casas. No Verão de 2024, o Supremo Tribunal Administrativo considerou, numa excelente decisão, que estas pessoas, ao ficarem num limbo de incerteza, poderiam estar a ser privadas dos seus direitos mais fundamentais, pelo que a AIMA tinha obrigação de decidir rapidamente os seus processos..Que nem uma onda que tudo arrasa à sua passagem, os efeitos perniciosos das manifestações de interesse começaram a chegar, em massa, aos tribunais administrativos. Todos queriam pedir a condenação da AIMA para o seu caso pessoal e, em resultado, temos agora 900 processos a entrar por dia contra esta entidade, e juízes com mais de 5000 processos distribuídos. Nunca se viu nada assim. É um verdadeiro estado de sítio judicial..É, de facto, assustador pensar no volume de processos em causa - especialmente por se tratar de processos judiciais, em que o contraditório tem de ser garantido. É que ele não afoga apenas os juízes. Afoga novamente a AIMA, que tem de responder a milhares de processos judiciais - adiando, mais ainda, a resolução das pendências..Por outro lado, o resultado das condenações da AIMA não é necessariamente o mais justo. Levará a que se decidam em primeiro lugar os processos que motivaram condenações, e que podem não ser os mais urgentes, mas apenas os das pessoas que tiveram meios para contratar advogado. Por fim, o efeito prático das condenações desvanecer-se-á em breve: a AIMA é condenada a decidir rapidamente, mas com tantas condenações e falta de meios humanos, os cidadãos estrangeiros que ganharam as ações continuarão a ter a mesma resposta de sempre: têm de esperar que chegue a sua vez..Apetece apelar aos nossos advogados que deixem os serviços resolver com calma as diabólicas “pendências”, reduzindo, da melhor forma que conseguirem, o estado calamitoso a que a situação de imigração chegou no nosso país.