História de uma idosa sem nome que ganhou a um jovem rico e famoso

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Esta história tem duas personagens. Um YouTuber espanhol, muito famoso, que dá pelo nome de TheGrefg. E uma idosa de 80 anos, que aparece sem nome. E já aí se vê a distância que vai entre os dois, na notícia que é contada pelo El País.

Em busca de um regime fiscal mais favorável aos rendimentos que consegue produzindo conteúdos para redes sociais, TheGrefg seguiu as pisadas de outros influencers espanhóis e saiu da terra natal, em Múrcia, para Andorra. “Saiu para pagar menos impostos”, resume em inglês a Wikipedia, que dá conta de que o jovem de 27 anos é o mais famoso dos YouTubers espanhóis e tem 18,2 milhões de subscritores no seu canal.

Chegado a Andorra em 2018, comprou um prédio e notificou os inquilinos para que saíssem porque ia fazer obras. Saíram todos, menos um. A tal mulher a quem a notícia não dá nome. Os jornais espanhóis contam que nos meses que se seguiram a casa da mulher ficou sem janelas, nem fechaduras. Mas nem assim ela saiu. Foi reclamar o seu direito nos tribunais. Começou por perder, mas no final de fevereiro o Supremo Tribunal de Andorra deu-lhe razão. TheGrefg vai ter de a deixar continuar a viver no apartamento em que mora há mais de 30 anos.

Não sabemos nada desta mulher anónima, a não ser a idade, pormenor que denota alguma fragilidade. Sabemos só que o problema da habitação se tornou tão agudo em Andorra, que o Governo decidiu, em setembro de 2023, aprovar uma lei que proíbe temporariamente a compra de casas a estrangeiros, até que o principado crie um imposto sobre este tipo de investimentos, cuja receita servirá para construir casas com rendas acessíveis.

A história do rico e famoso contra a idosa anónima pode parecer inspiradora. É uma entre muitas. Teve um final feliz. Mas nem sempre é assim.

“Isto está muito mau e não há para onde ir. A pessoa fica sem casa e não tem onde morar”, diz-me Maria, uma brasileira que conduz um Bolt todas as noites e que, a partir do próximo mês, vai passar a ser também motorista de ambulâncias. “Só com o que ganho aqui não dá”, explica-se.

A casa no Cacém está quase paga, mas num ano a prestação subiu 300 euros. “Já estou a cortar nos lanches dos meus filhos.” Maria é imigrante e veio para Portugal não à procura de um país onde pudesse pagar menos impostos, mas em busca de trabalho e segurança. Construiu uma vida por cá, mas os seus dias são uma dança de jogo de cintura e equilibrismo contabilístico para, com o marido, fazer face aos gastos dos dois filhos.

“Falam-me sempre de habitação”, conta-me uma candidata às legislativas que tem andado em campanha a ouvir o que preocupa os portugueses. “Acho que as pessoas ainda não perceberam como estão a viver os pobres e a classe média”, diz-me noutra conversa a Maria. Percebo a urgência que põe nesta frase, mesmo antes de me começar a contar os sustos de uma amiga, mãe divorciada, sobre quem paira a ameaça de perder a casa.

A bolha mediática debita já quase sem pensar as crises que se sentem. Habitação, Saúde, Educação. Dou por mim a repeti-las quase no ritmo da canção, aquela que falava da liberdade a sério. Mas percebo que tenho de as pesar uma por uma. Demorar-me a dizê-las, porque em cada uma delas vai muita gente. E o que faltam são as soluções, que temos de exigir no dia 10 de março.


Jornalista

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