Gás - planeamento italiano vs inépcia alemã
Após o desastre de Fukushima, a opinião pública alemã – e uma boa dose de wishful thinking – levou os políticos alemães a optar pelo rápido desmantelamento das centrais nucleares no país. Em sua substituição, e para assegurar uma robusta componente de energia não intermitente, foram criadas dezenas de centrais a gás (atingindo um total de 131 em 2022, de acordo a Statista; 173, de acordo com database.earth).
O gás provinha de vários gasodutos originários da Rússia, sendo que a ganância alemã promoveu os gasodutos NordStream – operados pela NordStream AG, uma empresa com capital russo, alemão, holandês e francês – que transportavam o gás diretamente da Rússia para a Alemanha, via Mar Báltico, destarte fugindo ao pagamento de direitos de passagem por países do leste europeu. A confiança na relação mercantil com a Gazprom, empresa estatal russa controlada por um siloviki de Putin e titular de 51% da NordStream AG, era tal que a Alemanha resolveu nem sequer construir terminais de receção e regaseificação de LNG (são caros, >1.000 milhões de euros / terminal). O resultado é conhecido… Com o início da guerra na Ucrânia decorrente da invasão russa, desde finais de fevereiro de 2022 que a Alemanha iniciou o processo visando a construção de terminais de LNG, mas tal demora tempo; passados 3 anos, ainda não estão feitos… O que leva a Alemanha a ter que alugar unidades/barcaças adaptadas para [pequenas quantidades] de receção e regaseificação de LNG (FSRUs), e a estar dependente da boa vontade de fornecimentos provenientes de outros terminais europeus, para além, naturalmente, de continuar dependente de fornecimento de gás russo (55% do total importado em 2024, que não foi interrompido porque as centrais a gás alemãs parariam e os preços de fornecimentos de gás via contratos spot com fornecedores americanos atingiriam valores ainda mais exorbitantes).
Em contrapartida, a Itália programou atempadamente a segurança do seu abastecimento energético. Até final de 2024, o país recebia gás por múltiplas vias: (i) do gasoduto proveniente da Rússia e que atravessa a Ucrânia; (ii) de 3 gasodutos provindos da Argélia e da Líbia; (iii) de 3 terminais de receção e regaseificação de LNG.
Não é preciso ser um génio para perceber quem fez um bom planeamento e quem se fiou na Nossa Senhora de Kazan… Num momento em que novas indústrias (ex: de armamento) alemãs vão necessitar de mais energia, é essencial que o governo e os políticos alemães repensem a estratégia e planeiem bem a sua política de abastecimento energético (como a Itália fez nos últimos 20 anos…), a qual, nas palavras do conhecido ex-ministro holandês das Finanças, J. Dijsselbloem, parece ter sido delineada por alguém empenhado em “gastar dinheiro em bebidas e mulheres”…