Gueto(s)
É afirmação recorrente do, e no nosso tempo, de que vivemos numa sociedade globalizada. Tudo o que acontece em qualquer ponto do globo é, de imediato, conhecido em todo o mundo; o comércio e a finança são globais; e até as pragas e as pandemias se propagam com rapidez e ferocidade nunca antes vistas.
Nesta vertigem do global, da comunicação, do instantâneo, dos 160 caracteres, esquecemo-nos, com demasiada frequência, que o centro da vida é o ser humano e a sua dignidade. E não, não é o ser humano enquanto abstração, enquanto homem ideal. Sobre o ser humano enquanto abstração até os mais empedernidos ditadores fazem proclamações que todos poderíamos subscrever.
Com demasiada frequência sabemos tudo sobre actores, políticos, escritores e, modernamente, até sobre “influencers”, que nunca vimos, nem veremos, e não sabemos nada sobre os nossos vizinhos, sobre a comunidade em que vivemos, ou sobre os nossos concidadãos que connosco partilham um mesmo território. Seja esse território o da freguesia, do município ou do país.
Não nos apercebemos que nesta sociedade global fomos construindo bolsas de isolamento.
Nos territórios das nossas cidades fomos criando guetos para ricos e guetos para pobres. Construímos um sistema de transportes segregador: o transporte colectivo para os que têm menos e o transporte individual para os mais afortunados. Os jovens são, desde a mais tenra idade, guetizados em escolas privadas visando sucesso colectivo à outrance, ou guetizados em escolas públicas nas quais o sucesso, ou insucesso, individuais são a marca.
E, assim, nos vamos recusando a perceber que na origem destes vários tipos de gueto que vamos criando está sempre, e só, a questão essencial da distribuição de rendimentos, da desigualdade, da incapacidade de quem nasceu pobre quebrar o ciclo da pobreza e poder melhorar o seu padrão de vida.
É, a este propósito, muito interessante um estudo recente (2023) da Universidade Nova. Entre outras conclusões, afirma: Uma comparação entre as gerações nascidas nas décadas de 60, 70 e 80 sugere que a transmissão intergeracional de pobreza não está a diminuir.
Ou, se se preferir outras referências, atentar num estudo do francês INSEE, que conclui que 47% do património total das famílias é detido por 10% delas.
Aos que andam entretidos a discutir o racismo, escorregando na “casca de banana” que os populistas lhes lançam, deixo-lhes um pequeno desafio.
Passeiem-se pelas lojas de luxo das grandes cidades, entrem nos hotéis mais exclusivos ou frequentem os restaurantes mais caros e depois, se fizerem o favor, digam-nos onde está o racismo.
Talvez percebam que o que continua a diferenciar os seres humanos nesta nossa sociedade não é a cor da pele, o formato dos olhos ou a textura do cabelo.