Gentrificação/Guetização
Após a divulgação de rankings dos resultados escolares, há sempre uma série de subprodutos noticiosos e opinativos que se dedicam a (pretensamente) analisar diversas variáveis do contexto das escolas do topo ou da base do escalonamento. Quase sempre partindo de pressupostos ideológicos, é raro dedicarem-se a interpretar a realidade, preferindo a enunciação de narrativas pré-estabelecidas. Ainda menos habitual é tentarem estabelecer relações mais do que superficiais entre as tendências de médio prazo dos resultados e as políticas públicas no sector da Educação.
Nos últimos anos, sucederam-se constatações como “Só 10% dos alunos mais pobres conseguem chegar ao topo dos resultados em leitura” (Observador, 3 de Dezembro de 2019), “Alunos mais pobres têm piores resultados em Lisboa e no Sul do país” (Público, 14 de Julho de 2023), “Alunos mais pobres com maior taxa de insucesso no 1.º ciclo” (CNN Portugal, 20 de Fevereiro de 2025) ou “Dificuldade em concluir estudos no tempo esperado agravou-se entre alunos mais pobres” (Público, 12 de Abril de 2025). Esta é uma pequena amostra sobre o declínio dos resultados dos alunos, em especial das camadas mais desfavorecidas, e nem inclui o destaque dado ao crescente fosso entre os colégios privados e as escolas públicas de topo.
Apesar deste interesse, houve a preocupação de relacionar o discurso político em torno da “inclusão”, “equidade” e “justiça social” e os resultados concretos das políticas desenvolvidas, em especial do seu evidente fracasso? Houve preocupação em perceber como se agravaram as desigualdades entre algum ensino privado e o ensino público ou, no caso deste, entre as escolas que mantêm bons resultados e aquelas que estagnaram ou definham? Já houve o cuidado de perceber que, como em outras paragens (cf. Robert Putnam, Our Kids. The American Dream in Crisis, 2015), se agravou um processo de gentrificação escolar, a par de fenómenos equivalentes em termos de urbanismo e zonamento habitacional? Assim como o seu inverso, ou seja, a crescente guetização escolar, com o erguer de muros que limitam as possibilidades de miscigenação social, coesão e solidariedade social?
Raphaël Glucksmann descreve com clareza estes processos de fragmentação social e separação entre os frequentadores dos ensinos público e privado:
“Os estabelecimentos estando sectorizados não cumprem mais a mesma missão num país onde os burgueses e os proletários vivem em [espaços] diferentes. Ainda mais quando se junta à secessão espacial o separatismo escolar. As escolas ditas ‘livres’ escolarizam a mesma proporção de estudantes (…) do que há 30 anos. Mas as suas características sociais mudaram. O que resultava de uma escolha confessional é agora uma decisão de classe.” (Les Enfants du Vide, 2018, p. 71)
Enquanto se definirem políticas na base das proclamações de boas intenções, os fenómenos de desigualdade e guetização continuarão a crescer.