Gandra d’Almeida e a medicina preventiva

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Quando, em janeiro de 2023, o Governo de António Costa aprovou em Conselho de Ministros um questionário a ser preenchido pelos candidatos a ministros e secretários de Estado, boa parte da classe política criticou ou desvalorizou o alcance daquelas 36 perguntas. Afinal de contas, quando António Costa lançou a medida vinha de 13 (treze) demissões no seu Executivo, dois ministros (Marta Temido e Pedro Nuno Santos) e 11 secretários de Estado, vários deles a braços com polémicas relacionadas com negócios ou atividades incompatíveis com as funções.

Luís Montenegro, na altura “apenas” líder do PSD, disse isto da medida: “Este questionário não é para resolver nenhum problema do país, é só para resolver um problema do doutor António Costa, mas o problema é ele, que não sabe escolher ou escolhe mal. O problema é ele, que não quer assumir a responsabilidade e passá-la às pessoas e quer arranjar maneira de que, qualquer dia, ninguém queira ir trabalhar com ele.”

Não sei se o tenente-coronel António Gandra d’Almeida, o homem que se demitiu na sexta-feira do cargo de diretor-executivo do SNS, respondeu a algum questionário semelhante. Desconfio que não. Gandra d’Almeida saiu pelo seu pé, mas apenas após uma investigação da SIC ter revelado que durante mais de dois anos, acumulou indevidamente as funções de diretor do INEM do Norte com as de médico tarefeiro nas Urgências de Faro e Portimão.

A quantas das 36 perguntas do questionário de António Costa a nomeação de António Gandra d’Almeida para diretor-executivo do SNS não resistiria? A várias, mas uma só seria suficiente para o vetar.”

Como a lei diz que essa acumulação é incompatível, Gandra d’Almeida pediu e obteve do INEM uma autorização, mas apenas com “a garantia de que não iria receber vencimento”. Segundo a SIC, Gandra d’Almeida recebeu mais de 200 mil euros por esses turnos, através de contratos entre os hospitais e uma empresa criada a meias com a mulher. E a história ainda irá a meio, pelo que mais factos suscetíveis de (até) constituírem crime ainda poderão surgir na imprensa.

A quantas perguntas do questionário de Costa a nomeação de António Gandra d’Almeida não resistiria? A várias, mas uma só seria suficiente para o vetar. Se lhe tivessem perguntado se “presta ou desenvolveu nos últimos três anos, atividade de qualquer natureza, com ou sem caráter remunerado, suscetível de gerar conflitos de interesses, reais, aparentes ou meramente potenciais com o cargo a que é proposto”, o que responderia?

Tudo isto, como é evidente, vai desembocar novamente na ministra da Saúde, a responsável pela escolha do Tenente-Coronel Gandra d’Almeida, que não foi capaz de aplicar a medicina preventiva. Talvez, como dizia Luís Montenegro em 2023, “o problema” seja ela, “que não sabe escolher ou escolhe mal” e que, pela forma como gere o Ministério da Saúde, está a “arranjar maneira de que ninguém queira trabalhar com ela”. Um problema adicional - já que Ana Paula Martins tem de encontrar rapidamente alguém para dirigir o SNS - que, mais cedo ou mais tarde, se pode refletir no primeiro-ministro. Tal como aconteceu com Costa.

Diretor-adjunto do Diário de Notícias

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