Fragas e congressos transmontanos
Quando recebi os dois livros que vou referir, um chamado Fragas, organizado pela Professora Maria da Assunção Enes Morais (Organizadora), e o notável chamado Congressos Transmontanos (1920-2020) que tenta reunir o tempo passado, do presente e do futuro, obra do Eng.º António Jorge Nunes, não pude deixar de recordar a minha pobre aldeia de Grijó do Vale Benfeito, de uma pobreza que aponta para a importância social, económica e nacional, que o autor, com a habitual modéstia, escreve "à minha família e aos cidadãos em geral, que me apoiaram e afundam a fraga no caminho do meu fazer".
O primeiro livro referido, Fragas, é uma homenagem a Miguel Torga nos 25 anos da sua morte, que foi chamado "Orfeu rebelde" orientado pelo "Espírito Santo do povo transmontano". Orientado pelas tendências do Cardeal Newman, autor do famoso estudo The Idea of a University, 1852, um tema exigido pelo nosso tempo ameaçador do próprio planeta terra, foi talvez com essa convicção que Miguel Torga, pensando na terceira parcela do tempo em que devemos sempre multiplicar os saberes, que crescem para conseguir a sabedoria que pertencerá à "vida que não viveremos", decidiu a sepultura acolhida numa fraga transmontana, lado a lado de uma urze, que florescerá cor de vinho e raízes fortes. Esta reunião responde à intervenção do que foi chamado "universidade nova", pela surpreendente articulação de saberes que convergem para a sabedoria que protegerá o primeiro tempo de vida da próxima geração, e que não viveremos. O espírito santo do povo que orientou Torga, enriquece o seu caminho empenhado a fazer convergir os saberes que servem a sabedoria exigida para ultrapassar a gravidade da perigosa situação da Terra que é necessário renovar para animar a esperança.
Dos muitos colaboradores, de alta qualidade cultural e científica, deve-se ao Professor Fernando de Sousa, da Universidade do Porto, palavras suficientes para multiplicar a admiração causada por obra tão significativa de amor à província, sempre compreendendo tão importante livro: "O Engenheiro Jorge Nunes foi um dos melhores presidentes da Câmara Municipal que Bragança conheceu ao longo da sua história e aquele que mais tempo a dirigiu (1997-2013), entre outros fatores que seria estultícia da nossa parte enumerar exaustivamente, pela revolução urbanística que promoveu na cidade e seu Concelho e pela excecional importância que concedeu à cultura, à herança cultural e ao património, sob as mais diversas formas - criação de numerosos e valiosos serviços e equipamentos culturais e científicos, projetos de investigação, edição de obras materiais e imateriais de natureza variada, etc. - que deram a Bragança o perfil que hoje a define como Cidade da Cultura. Tudo isto, tendo subjacente um pensamento próprio, uma estratégia de desenvolvimento económico sustentável que conferiu a Bragança uma centralidade no contexto regional, nacional e ibérico, abandonando definitivamente a posição periférica a que esteve votada durante séculos, esquecendo-se o Poder que as políticas que privilegiam o centro à custa da periferia, a longo prazo, revelam-se prejudiciais a todo o espaço económico.
Paralelamente, Jorge Nunes foi consolidando o seu pensamento quanto ao desenvolvimento da região em que Bragança se insere, Trás-os-Montes e Alto Douro, uma vez que aquela é indissociável da sua "circunstância" geográfica, histórica, cultural, económica e política, obrigando a que os problemas que se levantam a uma cidade e a um concelho têm de ser enquadrados no plano regional. Foi sobretudo da sua iniciativa, da sua diplomacia e capacidade de diálogo que se veio a concretizar, em setembro de 2002, o III Congresso de Trás-os-Montes e Alto Douro, no qual, pela primeira vez, participaram ativamente todos os 36 membros da Associação de Municípios de Trás-os-Montes e Alto Douro, as associações empresariais da região, instituições de ensino superior, empresas e Federação das Casas de Trás-os-Montes e Alto Douro, entre outras entidades. Nas conclusões do congresso ficou patente a necessidade de "uma nova política de desenvolvimento" para travar o "declínio demográfico" e os seus baixos índices socioeconómicos, defendendo como determinante, entre outros pontos a "divisão da NUT II Norte, separando dela Trás-os-Montes e Alto Douro", a fim de poder obter os fundos comunitários que lhe competiam".