Fernando Pessoa regressa à Pérsia

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"(...) e a poesia da Pérsia, que não é de um lugar nem de outro, faz das suas quadras, desrimadas no terceiro verso, um apoio longínquo para o meu desassossego.

(do Livro do Desassossego de Bernardo Soares)

Desde muito jovem que os Rubayiat de Omar Khayyam atraíram e prenderam a atenção de Fernando Pessoa. A Pérsia (como o Irão se chamava nessa altura) era para ele uma realidade indissociável do sonho e da poesia, como afinal era para Pessoa toda a realidade (A realidade o que é para o artista? Coisa nenhuma, proclamava Mário de Sá-Carneiro). A extraordinária cultura persa e a sua riquíssima poesia chegavam-lhe através deste Omar Khayyam, de quem as traduções (hoje controversas) de Fitzgerald influenciaram profundamente a poesia e, como salienta Fernando Cabral Martins, continua presente na escrita quotidiana de Pessoa, insistentemente, nos últimos dez anos anteriores à sua morte. É a partir de 1926 que as versões feitas pelo nosso poeta a partir das traduções de Fitzgerald (livro que existe na sua biblioteca particular, profusamente anotado) e os poemas por ele escritos imitando a forma "rubai" (uma quadra com um dos versos não rimados) se multiplicam nos seus escritos e atingem no poema dos jogadores de xadrez, de Ricardo Reis, um verdadeiro cume da sua obra poética.

Conhecedor da edição destes poemas pessoanos em forma de "rubai", editados em conjunto por Maria Aliete Galhoz e publicados em 2008 pela Imprensa Nacional, decidiu o meu colega Carlos Costa Neves, ativo diplomata e homem de cultura, presentemente colocado como embaixador no Irão, promover uma tradução em farsi destes poemas, que promovem o encontro entre a poesia portuguesa e a poesia persa, através de Fernando Pessoa e de Omar Khayyam, um encontro de culturas do maior interesse e oportunidade.

Fernando Pessoa não era desconhecido no Irão, onde existe já uma tradução do seu Livro do Desassossego. A cultura iraniana tem na sua riquíssima poesia um eixo maior e as peregrinações aos túmulos dos grandes poetas persas assumem naquele país uma expressão, popular e sentida, de amor por aquela que é uma das grandes expressões da poesia do mundo.

Carlos Costa Neves chamou a prefaciar e apresentar esta obra aos leitores iranianos o Professor Fernando Cabral Martins, que elaborou para esta edição um notável ensaio de síntese sobre as incidências de Khayyam no poeta dos heterónimos, onde se afirma, nomeadamente que "a relação com Omar Khayyam e os Rubayiat lança uma nova luz sobre a poesia de Pessoa", ao ponto de traçarem (os rubayiat) "uma nova linha de criação poética" para o nosso autor.

O belíssimo livro, apresentado pelo seu editor Alireza Raeis Danaei como uma verdadeira aparição conjunta dos dois poetas "no mundo dos vivos", realiza aquilo que a poesia faz, ao atravessar o coração dos homens com o seu mistério e o seu esplendor: ligar-nos, entre nações e culturas diversas, entre situações e atitudes divergentes, na partilha da humanidade que nos é comum, dos valores essenciais que unem todos os povos. Fernando Pessoa volta à Pérsia, para perguntar-se e perguntar-nos de novo: Por que obscura magia é que esse persa longínquo manda tão diversamente sobre as nossas almas? (in Livro do Desassossego).


Diplomata e escritor

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