Falsa inocência

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Ao longo dos últimos anos, a partir dos testes internacionais disponíveis (PISA. TIMMS), foi-se verificando que os resultados dos alunos portugueses se encontram em queda acelerada. Perante isto, em vez de se tentar uma análise objectiva dos factores que poderiam ajudar a explicar a situação, ensaiam-se inocências, produzindo-se análises que visam um determinado ciclo político, procurando absolver outros.

Vamos isolar um único factor ou ter a coragem de admitir que foi um conjunto de políticas que falhou e produziu estilhaços e vítimas, a começar pelos alunos das escolas públicas? Políticas certificadas por instituições internacionais (como a OCDE), que estenderam a sua cartilha pelo mundo, conduzindo a opções erradas, partilhadas por Governos de sinais políticos aparentemente antagónicos, mas convergentes na demagogia de prometer quase tudo sem esforço.

Foi comum a demagogia de confundir o “direito ao sucesso” com o dever da certificação do sucesso, adaptado a critérios mínimos, com um modelo de avaliação das aprendizagens “essenciais” norteado pela desvalorização de momentos formais de avaliação, interna ou externa, preferindo-se uma “aferição” qualitativa de escassa utilidade.

Mantiveram-se opções curriculares que, ao contrário da retórica produzida para consumo público, fragmentaram o currículo do Ensino Básico, subalternizando áreas consideradas “tradicionais” de forma pejorativa, em favor de alegadas abordagens transversais, sem foco académico, “divertidas” e adaptadas aos “interesses dos alunos”.
Nunca foi interrompida uma política errada de gestão dos recursos humanos que desgastou a classe docente e conduziu à erosão física e psicológica de uns e ao êxodo de outros, sendo que, em regra, os mais frustrados foram muitos dos que mais gosto tinham na sua profissão. A falta de professores não começou agora.

Mantém-se um modelo de gestão escolar rígido, que contraria de forma imperativa a lógica da colaboração e partilha no processo de tomada de decisões, permitindo a criação de cápsulas locais de poder, com exclusão de olhares e propostas divergentes. Por isso, não nos falem uns em flexibilidade e outros em liberdade, porque é tudo falácia.

Continua a lançar-se para as escolas quase toda a responsabilidade pelo combate às desigualdades socio-económicas dos alunos, sem lhes prestar o devido apoio em termos humanos e materiais, a menos que isso seja na modalidade de “projectos” pré-formatados e recompensados, através da classificação dos órgãos de gestão pelas visitas inspectivas.

Lamento, mas nos últimos 20 anos vejo muita gente responsável por políticas concretas a desculpabilizar-se. E especialistas prontos a fazer estudos com conclusões de acordo com a sua afinidade ideológica com dado ciclo político. Deste modo, a espiral descendente irá continuar.

Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico.

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