Estrutura e conjuntura: serviços prisionais e fuga de presos
A fuga de cinco reclusos de um estabelecimento prisional na semana passada tem permitido um debate mais alargado sobre a realidade das prisões e da execução de penas, mesmo se a reboque de meias notícias, meras suspeitas ou convicções muito recentemente firmadas.
Há, manifestamente, um episódio que é marcante: não é comum, nos países europeus, presos encostarem uma escada no muro de uma cadeia, saírem e avisar-se a polícia umas horas depois. Como é evidente, perante esta realidade, e com tudo a funcionar para a evitar nos termos habituais, os responsáveis pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais teriam de se demitir e assumir a falha do seu serviço, independentemente da sua responsabilidade pessoal e direta. É uma das maçadas dos cargos públicos, especialmente aqueles cuja visibilidade e dimensão leva a conferências de imprensa e apelos diretos de prevenção à população por parte do Sistema de Segurança Interna português – a primeira vez em que tal sucedeu, creio. E, na verdade, bem teria merecido uns ensaios gerais anteriores. Para mais, como a ministra da Justiça não deixou de assinalar – e fê-lo bem –, quando, na prática, se acabou de aumentar a remuneração dos guardas prisionais, procurando valorizar essa carreira e essa função. Foi azar, dir-se-ia. A investigação criminal o dirá.
Esta é a conjuntura. Acorda-se humanista e defensor dos diretos dos reclusos, em linha com as diversas condenações de Portugal pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos pelas condições prisionais, pela hora de almoço fogem 5 presos e deitamo-nos aparentemente todos securitários e inamovíveis perante o delito: esta a nossa ciclotimia coletiva, histórica aliás. Oliveira Martins, no final do século XIX, bem escrevia sobre este povo “beato e histérico”, podendo, entretanto, a beatude ter decaído um pouco.
A estrutura desta história, entretanto, é outra. Apesar de todos os esforços de planeamento e de intenções das últimas três décadas, nunca foi possível alocar aos serviços prisionais, de reinserção e à execução de penas em geral o investimento de que careceriam. Careceriam? Depende. A opção de investimento, na verdade, foi outra. Os 12 a 14 mil reclusos em Portugal, população flutuante, não merecem as centenas de milhões de euros de que falamos: para melhores cadeias, para mais oportunidades de aí não voltarem, para pagar a quem se importa com eles. É, manifestamente, a opção de Estado, constante e consequente. Não faz sentido agora pedir outros resultados globais perante essas opções de base.
O programa político da democracia para a execução de penas, nas últimas décadas tem sido o de projetar mudanças e investimento de fundo, não o concretizar e ir remendando o que existe. Com mudanças importantes de permeio, é certo. Mas, legitimamente, com outras prioridades. E espera-se, entretanto, que as cadeias aí mantenham as pessoas mesmo perigosas, uns tempos. Como sabemos, há diversas pessoas perigosas para os outros, uma minoria das quais está presa. E confia-se, em relação a estas, que por lá fiquem, dando ao tempo a sua verdadeira natureza, que é passar e todos nós com ele.
O que ficará deste episódio, para além das responsabilidades pessoais quando apuradas? Muito pouco, provavelmente. Querem os eleitores mudar tudo o que é preciso nas prisões e na execução de penas, com os custos inerentes? Se a justiça já é um conjunto de sistemas públicos laterais, com uma utilização circunscrita, o que dizer das prisões? Em suma, não vale a pena usar um episódio para ditar o fim da novela. Como em todas, é sempre o galã que fica com a rapariga gira. E não, não me parece que nenhum dos dois esteja em Vale de Judeus.