Erros de palmatória
Tornou-se recorrente ouvirmos a expressão “a geração mais qualificada de sempre”, dirigida aos jovens portugueses. Estatisticamente é indesmentível: Portugal regista a cada ano menos abandono escolar, há cada vez mais portugueses a completar o secundário e a cursar o Ensino Superior. Há mais jovens a concluir as respetivas licenciaturas e há mais mestres e doutores.
Quase sempre, na sequência desta constatação, surge a ideia, não menos verdadeira, de que desde há anos que se regista uma fuga de cérebros - ou talento, como lhe queiram chamar - de jovens portugueses para o exterior, seja porque foram atraídos por projetos e salários que as empresas portuguesas não conseguem pagar, seja porque aqui não havia, pura e simplesmente, oferta para a sua área de estudos. A classe política, o meio empresarial e mesmo o contexto académico têm tomado as rédeas desse debate e alguns têm até proposto linhas de ação (ainda que de duvidoso alcance ou eficácia). Certíssimo: geração mais qualificada; está a ir para fora ‘apenas’ porque cá os salários são baixos.
A reflexão sobre as qualificações dos portugueses tem de ir muito além disto. Na semana passada, a OCDE publicou o Inquérito às Competências dos Adultos em 2023, no qual avaliou a performance dos cidadãos de 31 países, dos 16 aos 65 anos, incluindo -pela primeira vez - Portugal. Nas três áreas - literacia, numeracia e resolução de problemas - dois em cada quatro portugueses ficaram no nível 1 ou abaixo.
Ora o nível 1 da OCDE na literacia significa que os avaliados “compreendem textos curtos e listas organizadas, quando a informação está claramente indicada e conseguem encontrar informação específica”. Abaixo desse nível “conseguem, no máximo, compreender frases curtas e simples”.
Já nos números, o nível 1 indica que as pessoas “são capazes de fazer cálculos básicos com números inteiros ou dinheiro”. E abaixo desse nível, limitam-se a conseguir “adicionar e subtrair números pequenos”.
É certo que quanto mais jovens os avaliados, melhor a pontuação. Mas é notório que em todas as idades, os portugueses estão abaixo da média da OCDE. Uma das conclusões do trabalho é particularmente preocupante: na literacia, os adultos com ensino superior em Portugal obtiveram resultados inferiores aos dos adultos com ensino secundário na Finlândia. Revelador.
Nos últimos dias e semanas todos temos visto debates intensos em torno de outras questões importantes para o país - como se o clube A ou B deve mudar de treinador ou se a figura A ou B vai ser ou não candidato presidencial em 2026. O facto de este preocupante documento da OCDE ter passado (quase) despercebido deve fazer-nos refletir se não estaremos todos a ler mal a realidade.
Diretor-Adjunto do Diário de Notícias