Quando comecei a dar aulas, ainda era aluno na faculdade, raramente me doía qualquer parte do corpo e a alma ainda estava razoavelmente intacta de maleitas. As manhãs não eram todas brilhantes, mas raramente eram sombrias, mesmo em dias de inverno mais rigoroso. O cansaço aparecia, claro, porque eram os tempos em que, como Variações tinha cantado, a cabeça nem sempre tinha juízo e quando nos esforçávamos mais do que era preciso o corpo é que pagava. Mas tudo se recuperava com alguma facilidade e raramente faltava por outras razões que não fossem obrigações inadiáveis..Com a nossa passagem pelo tempo, não vem só a experiência e com ela uma alegada sabedoria, que nem sempre a observação comprova. Vem também uma indesejada erosão da resistência, física, mas também mental, uma necessidade maior de descansar entre os períodos de maior esforço. A cabeça começa a ter juízo, mas já não é necessário esforçarmo-nos mais do que é preciso para o corpo pagar. Ou a alma. E nem sempre se consegue fazer tudo o que se fazia com o ânimo de outrora, nem nos levantamos sempre com as manhãs a sorrirem ou cantarem. Por muito que gostássemos que assim fosse..Vem isto a propósito de ser recorrente o aparecimento de notícias sobre o absentismo dos professores, como se fosse algo desligado do seu envelhecimento e das suas consequências naturais em termos de saúde, assim como das exigências para a tentar preservar..Como aluno, acho que terão sido raros os professores que tive com mais de 40 anos, se é que não foi apenas uma das minhas professoras “primárias”. A geração dos anos 70 do século XX, da massificação da educação, deparou-se com diversos problemas, muitos professores em falta, por não existirem, pelo que a solução nas zonas de maior pressão foi o recurso a gente muito jovem. Em especial no unificado, a média de idades dos meus professores não passaria os 30 anos e pouco terá subido no secundário. Lembro-me de muitos faltarem porque ainda eram alunos e tinham de ir fazer testes ou exames. Raramente por estarem doentes, até porque a ressaca não será bem uma patologia médica, mesmo se pode, em alguns momentos, apresentar sintomas dolorosos..Muitos desses alunos, em especial os que prosseguiram estudos, tornaram-se professores, e alguns ainda o são. Aliás, parte dos professores que tive só há poucos anos se terão reformado, se se mantiveram na carreira. O que significa que essa geração de professores foi a primeira que chegou a uma idade “avançada” no ativo, nas condições de trabalho decorrentes da massificação do ensino, numa primeira fase, e da desagregação dessas mesmas condições, nas duas últimas décadas, com todos os problemas sobejamente conhecidos ao nível de um profundo desgaste psicológico..Desgaste que tem a sua natural componente física. Um professor com 55 ou 60 anos dificilmente está na plenitude da sua resistência física. Não falo, claro, de quem optou por ser outras coisas e passa a maior parte do tempo a “gerir”, a “monitorizar” ou a “desenvolver projetos”. Falo de quem tem o seu horário completo em sala de aula..Não adianta tratar o envelhecimento docente como se fosse um fenómeno estranho ou imprevisível e esquecer os seus efeitos. Muitas faltas resultam das necessidades próprias da idade, agravadas com o modo como quase toda a classe docente foi tratada, principalmente desde 2005, quando acharam que o que tinha sido conseguido na década anterior seriam excessivos “privilégios”. E vamos em quase 20 anos de desgaste contínuo adicional, que é de uma enorme hipocrisia ignorar como fator de agravamento de qualquer nível de absentismo que exista. E que, apesar de tudo, é menor do que em outros serviços da Administração Pública..Outrora, a “indução” informal dos novos professores era feita por colegas com 28-30 anos, raramente com mais de 35. Agora é feita por quem tem mais de 50 ou mesmo 60. Sim, o corpo dos docentes está envelhecido. Mas, se querem que vos conte um segredo bem conhecido…, a alma está bem pior.