Em plena onda

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Stefan Zweig publicou em 1925 um pequeno ensaio a que deu o título A monotonização do mundo (na recente reedição francesa a tradução foi L´Uniformisation du monde). A vida política não é directamente o seu alvo – os seus pontos de argumentação vão da tecnologia à vida quotidiana, do rádio e do cinema à evolução das cidades, à moda e até à dança ! – mas lá está dada como assente, na Europa, uma verdadeira “colonização da vida”, obra de uma poderosa vaga cuja origem Zweig localiza, sem hesitar, na América. Escrito há cem anos, com desarmante simplicidade e leveza, constitui agora um testemunho impressionante, em particular para quem o leia tendo presente que vieram, logo de seguida, os dramáticos anos trinta. Tem razão quem diz que a vida se vive de trás para a frente mas se compreende de diante para trás.

Vivemos, claro, num outro tempo. Mas nos últimos anos o mundo político europeu deu-nos a viver uma série de fenómenos que conferem interesse à leitura de um escrito distante, que se debruça sobre uma “terrível vaga uniformizadora”, aparentemente tão diversa. Em grande número de países, um nacional populismo e congéneres radicais expandem-se eleitoralmente, em ritmo mais ou menos acelerado, atingindo um grau considerável de articulação internacional e apoio extraeuropeu (nalguns casos, e em termos variados, já com papéis governativos). As formações clássicas da direita e centro-direita abarcadas pelo Partido Popular Europeu, ainda que conservando com frequência, com mais ou menos custo, os primeiros lugares no voto, registam recuos muito pronunciados em relação a marcas anteriores e lidam com problemas de governabilidade. Quanto a socialistas e afins, a redução do apoio eleitoral é claramente a dominante, tornando hoje escassos os governos que lideram. Com isto, assiste-se já à tendencial deslocação para a direita do eixo de coligações e soluções governativas, com expressão no âmbito nacional e nas instituições europeias. Este andamento, à vista desarmada, não se reconduz a uma lógica conservadora, respeitadora das regras democráticas. Alimenta também uma dinâmica destruidora e significa um risco sério e multiforme para as instituições que construímos. Seria inadequado chamar-lhe o triunfo da direita, mas faria sentido falar, em modo Zweig, numa época de “direitização do mundo”, e numa onda de que ele já sabiamente sublinhava o lado “instável, nervoso e agressivo”.

Se numa fase de expansão dum ambiente político desta natureza, num país como o nosso, se promoverem três eleições legislativas em quatro anos, desvirtuando-se a periodicidade essencial a um funcionamento virtuoso da democracia representativa, o efeito mais provável não é recebermos de volta notícias diversas. Será antes a aceleração do ritmo de implantação local das tendências em curso que há a esperar – e o seu agravamento. Os resultados das eleições do último fim de semana têm, obviamente, uma multiplicidade de factores a explicá-los. Mas as opções e decisões que proporcionaram esta frenética sequência de legislativas constituíram os verdadeiros contributos sine qua non. Os seus autores estavam tão virados para os seus casos que não olharam o suficiente para o mundo à sua volta.

Jurista, antigo ministro.

Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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