Em defesa do deputado Pedro Pinto

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Gostaria de deixar uma palavra em defesa do deputado Pedro Pinto, líder parlamentar do partido Chega. Poderia ser daquelas pessoas, do que se lhe conhece de intervenções anteriores e do seu currículo, que nos remetem injustamente, por azar ou infelicidades sucessivas, para um qualquer imaginário muito distante da sua essência, louvando-me aqui de todos os descritivos de Lipovetsky sobre a nossa imediatez de julgamento num contexto de idolatria da imagem e da leveza. Mas não é. E acaba aqui a minha defesa. É absolutamente aquilo que parece ser e já se lhe conhecia. E essa sua identidade, essa genuinidade, entre o que parece ser e o que é, como se viu na última semana, na melhor das hipóteses é basal, oportunista e ignorante e, na pior, é insidiosa e criminosa.

Nem vale a pena dizer por que não deve um deputado incitar na televisão ao uso letal de armas de fogo pela polícia, mesmo que se sinta à mesa de um café. Quando está na televisão, deveria saber que, querendo-o ou não, é um exemplo. Não só aquilo contraria o bom senso e a lei e, já agora, toda a formação que os polícias recebem, como é facilmente apreensível que a morte de uma pessoa por disparos de um polícia que, aparentemente, pelo que foi publicado, o que fez foi praticar infrações de trânsito e procurar fugir ao controlo, é questão que tem de ser devidamente investigada e seguramente está a sê-lo. Fosse o fugitivo um menino da Lapa ou do Restelo com uns copos a mais à noite e ver-se-ia...

Não sabemos ainda exatamente o que se passou e isso cabe ao Ministério Público e depois ao tribunal apurar. Mas sabemos que houve uma morte e que houve alguém, instituído num poder especial de autoridade, que foi o seu autor - pelo publicado, mais uma vez: um miúdo de 20 anos que é polícia há um ano e que seguramente, sendo para mais polícia, deve estar a sofrer com o que aconteceu e cujo consolo de absolvição, por razões até de salubridade pública, não pode ser o deputado Pedro Pinto ou o deputado André Ventura.

O trabalho da polícia já é suficientemente duro e exigente para não ter de arcar com o dever adicional de carregar o Chega às costas e logo com Pedro Pinto e André Ventura na tipoia. E ninguém se pode sentir bem por ter matado outra pessoa, muito menos um polícia de 20 anos. Respeito pelos mortos e pelos vivos seria devido neste momento.

Mas mais responsabilidades tem o deputado André Ventura, que, a crer no seu currículo, fez um doutoramento em Direito Penal, foi professor da Universidade Autónoma de Lisboa e da Universidade Nova de Lisboa, tem manuais de Direito Penal publicados (na Chiado Editora, é certo), foi investigador de um irlandês Centre for Criminal Justice and Human Rights e é, na vida real, funcionário público em Portugal.

É certo que, entretanto, foi acolhido pelo PSD e pela CMTV, o seu percurso alterou-se e agora leva vida de dizer barbaridades de conveniência, sem qualquer sentido de coerência, tempo ou decência, para um público de autoidentificados como injustiçados, com ou sem razão, de delatores saudosos da ditadura ou de simples racistas (e, sim, deputado Pedro Pinto, pode também haver racistas “negros e brasileiros”, como identificava os seus colegas parlamentares). Mesmo assim, normalizar a morte de pessoas às mãos da polícia é, até para ele, um pouco demais.

Como até sucede nas quadrilhas, há uma segmentação de funções. André Ventura tem as suas e Pedro Pinto as dele. Como ambos são deputados da República, representando todos os cidadãos, mesmo aqueles que eles acham não representar, seria decente que não usassem a morte de ninguém para criar ruído ou incitar a crimes a coberto da sua imunidade parlamentar.

E ninguém está a justificar a violência que se seguiu, a destruição de património, o suplício de uma nova vítima, um trabalhador dos transportes públicos. Os crimes têm esta natureza: existem e vão diferindo os seus autores.

Seria bom, portanto, que os responsáveis políticos e os partidos maioritários do centro político conseguissem fugir da sua inicial gaguez perante a realidade e fossem mais diretos na palavra e na ação. Não o sendo, fica aberto o caminho para qualquer um que emita som. Apesar do silêncio parecer mais devido e corajoso nas circunstâncias.

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