Elogio da insónia
No seu livro mais recente, Nuit Blanche (ed. Grasset, Paris, janeiro de 2025), Bernard-Henri Lévy enfrenta as suas insónias. E há um misto de ironia e redundância nessa hipótese de “enfrentamento”, uma vez que a insónia existe como aquilo que se impõe ao seu protagonista, ou seja, um estado que não pode deixar de ser enfrentado — e compulsivamente vivido. Digamos que a utopia daquele que sofre de insónias seria poder dizer qualquer coisa como: “Vou dormir um pouco, descanso e, mais tarde, preocupo-me com a minha insónia...”
A “noite branca” do título é, assim, “uma noite na vida de um homem que não dorme”. Daí que esta seja uma narrativa em que o protagonista é ao mesmo tempo personagem e espectador. Daí também estar garantido um mínimo de realismo que, curiosamente, atrai os princípios de uma encenação (teatral ou cinematográfica) sem fissuras espaciais nem desvios temporais: existe uma “unidade de lugar” (as quatro paredes do quarto de dormir), uma “unidade de tempo” (as horas sem sono) e uma “unidade de acção” (ou, é caso para dizer, de inacção).
Escritor, filósofo, crítico de arte, analista político, comentador televisivo, Lévy é também, à sua maneira, um jornalista invulgarmente dotado. Leia-se, a esse propósito, a sua admirável deambulação pelos EUA, American Vertigo (2006), cuja cumplicidade com o Vertigo (1958), de Alfred Hitchcock, está para lá da palavra comum aos dois títulos: trata-se, afinal, de tentar compreender como é que as evidências do real transportam a imponderabilidade do sonho ou a crueldade do pesadelo.
Escrevendo ao longo da noite, parando para pensar, parando para escrever, Lévy só não consegue parar a vertigem do tempo. A certeza do tempo, a sua omnipresença (temporal, precisamente), vai instalando a sensação paradoxal de uma vida em que aquele que não adormece pressente a certeza da morte, do seu sono irreversível. Diz ele que o seu projecto é mesmo “morrer acordado”. Ou como numa canção de Léo Ferré em que, em nome da vertigem poética, os contrários se podem conciliar: “Eu quero viver, não apenas a minha vida, mas também a minha morte.”
Mais ainda: o homem com insónias transfigura a sua tragédia orgânica em princípio existencial e prática filosófica: “Se não durmo, isso é uma escolha. É mesmo porque tenho muito medo de nunca vir a saber que morri.”
Bernard-Henri Lévy escreve sobre as noites sem sono: o resultado é um tratado sobre a comunicação.
Há outra maneira de dizer isto: na sua radical dimensão pessoal e confessional, a meio caminho entre a crónica realista e o melodrama clássico, Nuit Blanche é um livro contra a desvergonha “intimista” vendida pela televisão (Big Brother & etc.), incluindo através de perversas contaminações das convulsões da geopolítica. Lévy refere-se mesmo a uma nova “Commedia dell’arte” televisiva que se confunde com uma “tele-realidade política non stop”.
Que resta, então? Uma antologia subjetiva de factos vividos e memórias plurais de pessoas que, de uma maneira ou de outra, marcaram o autor para o melhor e para o pior (mas é o melhor que merece mais atenção). E também essa evidência muito dos nossos dias em que as imagens parecem deter o poder de se sobrepor a todos os gestos que possamos consumar, incluindo as ideias que tenhamos talento para formular.
Sendo também um homem de cinema, em particular na área documental (com vários trabalhos sobre a guerra da Bósnia e a situação atual na Ucrânia), Lévy sabe que o endeusamento do “visual” é um vício social dos nossos dias. Por isso mesmo, importa não vulgarizar a escrita nem anular o poder das palavras: “(...) há coisas que o melhor operador de câmara do mundo, mesmo com tempo, nunca captará, já que só as palavras podem apreendê-las.”