E, no entanto, ela move-se...
No julgamento público de que foi alvo, em 1633, Galileu Galilei, considerado um dos principais pais da ciência moderna, que provou que raciocinar não é suficiente e que as bases do método científico são observar, raciocinar, concluir e comprovar, evitou ser queimado vivo renegando as suas ideias, através de uma confissão: “Eu, Galileu, filho de Vincenzo Galilei, florentino, de 70 anos de idade, intimado à presença deste tribunal e ajoelhado diante de vós, Reverendíssimos Cardeais Inquisidores-Mores contra a gravidade herética, tendo diante dos olhos e tocando com as mãos os Santos Evangelhos, juro que sempre acreditei em tudo quanto é defendido, pregado e ensinado pela Santa Igreja Católica e Apostólica. Mas, considerando que (...) escrevi e imprimi um livro no qual discuto a nova doutrina (o heliocentrismo) já condenada e aduzo argumentos de grande força em seu favor, fui pelo Santo Oficio acusado de veementemente suspeito de heresia, isto é, de haver sustentado e acreditado que o Sol está no centro do mundo e imóvel, e que a terra não está no centro, mas se move; desejando eliminar do espírito de todos os cristãos fiéis essa suspeita concebida mui justamente contra mim, com sinceridade e fé verdadeira, abjuro, amaldiçoo e detesto os citados erros e heresias, e em geral qualquer outro erro, heresia e seita contrários à Santa Igreja, e juro que no futuro nunca mais direi nem afirmarei, verbalmente nem por escrito, nada que proporcione motivo para tal suspeita a meu respeito.” Após o veredicto, o astrónomo proferiu a seguinte frase, sobre a Terra: “E, no entanto, ela move-se”...
A proposta de resolução apresentada pelo Chega, que visa conceder aos encarregados de educação o poder de autorizar a participação, ou não, dos seus filhos em aulas sobre identidade de género e outras temáticas, tem suscitado um intensa polémica. Esta medida coloca em risco o papel crucial da escola enquanto espaço de conhecimento, diálogo e diversidade.
Ao questionar se um pai que acredita que a terra é plana pode privar os seus filhos de aulas de Geografia ou se um fundamentalista de qualquer religião pode opor-se à participação dos seus ‘rebentos’ em aulas de Biologia, baseadas na teoria da evolução, a Iniciativa Liberal trouxe à luz a complexidade e os desafios enfrentados pela educação numa sociedade plural.
A escola é mais do que uma instituição que ensina a ler, a escrever e a contar. Desempenha um papel crucial no crescimento e formação das nossas crianças e jovens, não apenas transmitindo conhecimento académico, mas também promovendo a compreensão, o respeito pela diferença e a construção da identidade.
A proposta do Chega, apesar de, em teoria, defender a liberdade de escolha das famílias, levanta questões fundamentais sobre o propósito da educação. A escola deve ser um espaço inclusivo, onde diferentes perspetivas são apresentadas, enriquecendo a experiência educacional. Esta proposta é um ataque ao direito à identidade e igualdade de género. A escola deve um “porto de abrigo”, para as crianças e jovens, proporcionando um ambiente seguro para o desenvolvimento da sua personalidades e dos seus valores sociais e cívicos.
Nuno Maciel, do PSD, questionou a seletividade da proposta do Chega, indagando por que apenas temas relacionados com a sexualidade e a identidade de género necessitam de autorização paterna para serem abordados. Esse modo de entender o ensino, argumentou, põe em causa o trabalho árduo, e tantas vezes injustiçado, dos professores, que já se esforçam por envolver as famílias e promover um diálogo construtivo.
A liberdade de escolha dos pais é, sem dúvida, um direito constitucional, e que deve ser tido em conta. No entanto, impor restrições à diversidade de conhecimento que os alunos podem adquirir, compromete a missão essencial da escola. Os pais não são donos dos filhos. Até dos animais de estimação já somos designados de “tutores!
A educação deve ser um processo enriquecedor, fornecendo aos alunos as ferramentas para compreenderem o mundo. Restringir o acesso a determinados conteúdos com base em convicções individuais prejudica não apenas a qualidade da educação, mas também a capacidade dos alunos de enfrentarem os desafios contemporâneos. Negacionismos da evolução à parte, importante é garantir que a escola seja um espaço de respeito e diversidade.
Subdiretora do Diário de Notícias