E afinal, o que somos?

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A pergunta com que terminei o texto da passada semana era retórica. O que a banca cooperativa ganha por se manter fiel à sua identidade sem tentar transformar-se no que não é e nunca foi? É uma questão que tem sempre a mesma resposta: em todas as dimensões da nossa vida desejarmos ser o que não somos quase nunca é inteligente.

A ideia central de uma instituição de crédito cooperativo é simples. Os financiamentos têm de ser autossuficientes, o mesmo que dizer que o crédito deve ser financiado internamente. As Caixas Agrícolas nasceram contra instituições bancárias de escala originadas por fusões ou consolidações. Defendemos que o maior risco financeiro é o risco sistémico que sobretudo hoje e de forma desnecessária consome resultados para financiar capital contingente ( Core Tier 2/ Mrel ), se formos o que não somos.

Somos parte de um todo que transcende cada um dos nossos objetivos. Integramo-nos no quadro de políticas públicas, de integração social, de investimento cultural, de apoio às localidades e às pessoas que nos deram causa em regra o nosso concelho. A banca cooperativa deve exercer a sua influência que, sendo para muitos complementar, é mais do que isso. As sinergias amplificam o alcance e eficácia de um projeto que não tem como génese a distribuição do lucro a acionistas – sem qualquer crítica ao lucro e ao investimento privado.

As Caixas de Crédito Agrícola têm um papel no apoio às economias locais, motivando a inclusão financeira das comunidades e a estabilidade do próprio sistema bancário como um todo. É sempre a partir do peso das comunidades que um banco cooperativo pode crescer e é controlável. Um peso que se reflete no número de habitantes, no rendimento agregado da comunidade e no capital cívico e de compromisso coletivo da população. É nessa soma de pressupostos, aliada à dinâmica e ambição de quem gere, que se cria valor e se melhora o desempenho. A força da banca de crédito cooperativo está nesta especificidade, não em tentarmos ser como os outros.

Se olharmos para o que aconteceu no sistema financeiro antes da crise de 2008, percebemos que a culpa é de um ciclo vicioso entre a ganância e o consequente travão a modelos de eficiência operacional e a processos de consolidação. Foi uma caminhada feita de elevados níveis de alavancagem e novas e inesgotáveis fontes de lucro. Uma correria para o abismo.

Não somos sprinters, nunca o fomos. Somos corredores de fundo com passada sólida. Apresentamos balanços muito, muito sólidos.

Trabalhamos todos os dias para gerar mais-valias. Para multiplicar o dinheiro. Para satisfazer os nossos sócios e clientes. Para seguir alinhados com os objetivos de crescimento e sustentabilidade do país. Mas somos diferentes. Somos únicos. E por isso capazes de desempenhar um papel próprio. Sem complexos, com orgulho do que somos, com esperança de que estaremos à altura de cumprir o papel mais importante da nossa história. E das nossas vidas.

Porque só quem voa, sabe porque os pássaros cantam.

Presidente da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedras

manuel.guerreiro@ccamtv.pt

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