Dois meses europeus

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Daqui a dois meses, entre 6 e 9 de junho, os europeus vão a votos para eleger 720 deputados. Será um aumento de 2% em relação aos 705 assentos da atual composição do Parlamento Europeu e que acontece no sentido de acomodar as mudanças demográficas ocorridas em vários Estados-membros, num total de 370 milhões de eleitores. Trata-se do segundo maior eleitorado do mundo, só atrás da Índia e, de longe, o maior eleitorado transnacional agregado na representação no mesmo hemiciclo.

Os próximos dois meses serão europeus. Estas eleições têm importância acrescida, por várias razões: em primeiro lugar, porque o Parlamento é a única instituição da União Europeia eleita diretamente pelos eleitores. Se uma das críticas mais recorrentes ao projeto europeu é o de se basear em estruturas burocrática alegadamente distantes dos eleitores, o Parlamento é, sem dúvida, o espaço mais democrático e diretamente dependente da vontade dos cidadãos.

Os outros dois órgãos principais são eleitos indiretamente. A composição da Comissão Europeia requer a aprovação dos eurodeputados, enquanto o Conselho é composto por ministros nacionais designados pelos respetivos Governos.

A segunda razão que nos revela a importância das eleições europeias tem a ver com o momento político em vários dos Estados-membros. Será fundamental perceber se a onda populista e de tendências soberanistas, nacionalistas e antiglobalistas vai mesmo conseguir subidas muito significativas ou se, no fim de todas as contas, vamos perceber que os sinais de alerta eram exagerados.

Há, ainda, uma terceira razão que adiciona particular relevância às eleições europeias: em plena invasão russa da Ucrânia, o regresso da guerra à Europa condiciona quase todas as opções políticas e estratégicas a fazer nos próximos quatro anos.

A votação começa nos Países Baixos a 6 de junho, seguida pela Irlanda a 7 de junho. Letónia, Malta e Eslováquia participarão a 8 de junho, enquanto os restantes países votarão a 9 de junho. Chéquia e Itália permitirão a votação em dias consecutivos: sexta-feira e sábado para os checos, sábado e domingo para os italianos.

A surpresa da participação

As eleições na UE foram, durante décadas, marcadas por baixas taxas de participação. Até podemos encontrar um lado positivo nisso: não havendo um sentimento claro antieuropa em nenhum Estado-membro atual, os eleitores não terão encontrado razões de monta para irem às urnas protestar.

No entanto, o facto de haver repetidamente um nível de abstenção nas europeias muito mais elevado do que em eleições locais ou nacionais pode também indicar um distanciamento pouco saudável em relação a temas ligados às instituições europeias, o que não deixa de ser contraditório, se compreendermos que grande parte da legislação produzida a nível nacional decorre de decisões tomadas em Bruxelas e Estrasburgo.

Há cinco anos, em 2019, a taxa de participação em todos os Estados-membros situou-se nos 50,66% - a primeira vez que ultrapassou o limite dos 50% desde 1994. Durante duas décadas, entre os finais dos Anos 90 e 2014, a abstenção foi sempre mais do que metade do total do universo eleitoral. Na Bélgica, no Luxemburgo e em Malta as participações chegaram à casa dos 70%. No inverso, na Eslováquia, na Chéquia e na Eslovénia ficaram abaixo dos 30%.

Mas 2024 pode mostrar-nos a boa surpresa da participação. Em tempos de incerteza internacional, com a agravante de haver fundadas razões para estarmos preocupados com o avanço da extrema-direita e das direitas radicais e soberanistas, é de admitir que muitos setores mais moderados da população europeia, geralmente indiferentes noutros atos eleitorais, sintam agora o apelo de expressar no voto o seu europeísmo.

Até há poucos anos, expressar acordo em relação à construção europeia parecia um ato inócuo, quase redundante, tão amplo era o consenso nacional em torno desse caminho. Só que as coisas mudaram muito rapidamente. A ameaça autocrática e a via nacionalista passaram a ter fortes plataformas eleitorais e mediáticas. Saltaram, em poucos anos, da quase irrelevância à ambição de disputar a vitória.

Novos eleitorados a disputar

Perante este novo quadro, há dois prováveis movimentos a verificar:  aumento da participação e a consequente disputa eleitoral pela escolha de quem habitualmente não votava. Isso já aconteceu nas legislativas em Portugal, a 10 de março passado: a abstenção baixou de 48,6% para 40,1%. E poderá acontecer a escala mais ampla nas próximas eleições europeias de 6-9 junho.

Nas eleições europeias de 2019 em Portugal, a taxa de abstenção atingiu uns assustadores 69%. O PS venceu com 33%, mas isso significou 1,1 milhões de votos - menos do que o Chega teve como terceiro partido nas últimas legislativas.

Desta vez, menos de três meses após umas legislativas em que rês em cada cinco eleitores foram mesmo votar, afigura-se como altamente provável que a taxa de participação nas europeias suba muito em relação as 31% ocorridos em Portugal há cinco anos.

No plano europeu, caso a participação volte a passar os 50%, isto significará pelo menos 185 milhões de votos dos estimados 370 milhões de eleitores elegíveis.

O hemiciclo atual tem sete grupos políticos: Partido Popular Europeu (PPE centro-direita), Socialistas e Democratas (S&D, centro-esquerda), Renew Europe (sucessor do ALDE, liberais), Verdes/Aliança Livre Europeia, Conservadores e Reformistas Europeus (ECR, direita soberanista e nacionalista), Identidade e Democracia (ID, direita radical e extrema-direita) e A Esquerda.

O PPE tem neste momento 187 eurodeputados, mais 40 que os socialistas e o dobro dos liberais, que têm 98. A extrema-direita (ID) tem 76, mas se os juntarmos aos 61 do ECR são 137 os eurodeputados do espetro das direitas radicais - já perto dos 147 que têm os socialistas e sociais-democratas. É de prever que após as eleições de junho essa soma ID+ECR possa ultrapassar o número de eurodeputados da S&D, embora se mantenha bem abaixo do PPE.

E há outras contas a fazer: vejamos o que se passa no Governo alemão. A coligação socialistas/liberais/verdes, mesmo com tensões internas, tem-se mantido coesa no que se refere às grandes questões europeias e à necessidade de travar a extrema-direita.

Projeção desse entendimento mínimo no quadro do Parlamento Europeu aponta para que o espaço de centro-esquerda com sociais-democratas e verdes (147 da S&D com os 67 dos verdes) tenha mais que o PPE e muito mais que as direitas radicais juntas. Uma soma a três com os liberais reforçaria ainda mais esse primeiro lugar, embora ainda estivesse abaixo de formar maioria absoluta: para os necessários 361 mandatos para a maioria do novo Parlamento com 720, socialistas/sociais-democratas com verdes e liberais fariam 312 (318 extrapolados para o aumento do próximo quadro).
Ou seja: terá sempre de haver entendimentos entre os principais grupos políticos para a escolha dos lugares de decisão. Foi assim em 2019, para que se chegasse a uma eleição de Von der Leyen apertada (383 votos a favor, 327 contra e 22 abstenções). Poderá ser assim - e com outras dinâmicas ainda por apurar - na eleição para a presidência da Comissão em 2024.

Ucrânia na UE tem a aprovação dos eleitores

A Ucrânia é o país candidato favorito entre os eleitores europeus para aderir aos 27, de acordo com sondagem IPSOS/Euronews. Finlandeses, portugueses e espanhóis são os mais favoráveis à entrada. Segundo a sondagem realizada junto de 26 mil pessoas de 18 Estados-membros, 45% dos eleitores da UE são a favor da adesão da Ucrânia, enquanto 35% são contra e 20% estão indecisos.

Outros países considerados foram Bósnia-Herzegovina (37% a favor), Geórgia (35%), Sérvia (35%), Albânia (34%) e Turquia (24%).

Na análise às respostas dadas em cada país, concluiu-se que 68% de finlandeses, portugueses e espanhóis querem que a Ucrânia adira à UE. Outros países nórdicos, incluindo a Suécia e a Dinamarca, bem como os países vizinhos da Ucrânia, caso da Polónia e a Roménia, mostram altos níveis de apoio à adesão.

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