Diagnosticar doença mental é um ato médico
Uma doença mental, ou perturbação psiquiátrica, caracteriza-se por alterações clinicamente significativas no pensamento, nas emoções e/ou no comportamento, que se associam a sofrimento e incapacidade. O seu diagnóstico é um ato médico, e baseia-se na observação de padrões de comportamento (sinais) e na descrição de emoções e pensamentos relatados pela própria pessoa (sintomas), que são a base para a classificação de acordo com critérios clínicos bem definidos, descritos na Classificação Internacional de Doenças, da Organização Mundial da Saúde (CID), e no Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM), da Associação Psiquiátrica Americana.
O diagnóstico considera a presença, duração e intensidade dos sintomas, bem como o seu impacto no funcionamento da pessoa, permitindo distinguir entre perturbações mentais que exigem intervenção clínica e variações da experiência humana. Mais ainda, requer também o diagnóstico diferencial e de exclusão de eventual contributo orgânico (causado por outras doenças ainda não identificadas ou não tratadas) e/ou tóxico, com os necessários exames físico e neurológico, e com o recurso a outros meios auxiliares que o médico psiquiatra entenda como necessários para o esclarecimento cabal do quadro clínico.
Neste processo, o médico psiquiatra também determina o risco associado e estabelece o plano de tratamento, que na doença mental grave integra necessariamente medidas farmacológicas, entre outras de caráter psicoterapêutico, ocupacional e social, que visam a melhor recuperação do doente, e que serão monitorizadas, revistas e ajustadas pelo médico psiquiatra, em articulação com uma equipa multidisciplinar, sempre que necessário.
A classificação das doenças mentais tem uma longa história de reflexão contínua pela Psiquiatria. Descrever e classificar as doenças mentais é essencial para dar sentido às observações clínicas, estimar prevalências, orientar a alocação de recursos para tratamento e cumprir exigências éticas e legais.
Os sistemas classificativos atuais, como o CID-11 e o DSM-5-TR, resultam de consensos técnicos entre especialistas, com o objetivo de garantir validade e fiabilidade diagnóstica, não dependente de pressupostos teóricos incertos ou valores morais, culturais ou religiosos, para que os psiquiatras possam fazer diagnósticos rigorosos em pessoas concretas.
As doenças mentais apresentam diferentes graus de gravidade e algumas doenças têm fases de agravamento dos sintomas, especialmente quando não há tratamento adequado.
Nesta situação, uma doença mental pode influenciar a concretização de atos por, no momento dos mesmos, a doença mental impedir a pessoa de entender o seu caráter ilícito ou de agir de acordo com esse entendimento.
Nestes contextos, a avaliação da imputabilidade procura determinar se existe uma anomalia psíquica e se esta comprometeu, de forma relevante, a compreensão ou autodeterminação da pessoa aquando dos factos. Esta é, por definição legal e científica, uma perícia médico-legal realizada por um médico com a especialidade de psiquiatria.
A avaliação técnica médico-legal tem um papel essencial para suportar a aplicação de medidas de segurança e garantir o acesso a um tratamento médico adequado e proporcional, para prevenir situações futuras e proteger a sociedade de ações ou atos semelhantes.
Mantendo sempre o respeito pela independência dos Tribunais como alicerce do Estado de Direito, na presença de um diagnóstico de doença mental grave será de salvaguardar que a responsabilidade seja avaliada de acordo com a capacidade, em função da condição clínica.
É igualmente importante valorizar que chegamos aqui após séculos de evolução nas práticas éticas, jurídicas e clínicas, que sustentam uma sociedade mais justa e comprometida com os direitos humanos.
A Direção do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos