Deve mudar tudo?
Nos dias de instalação dos novos eleitos nas autarquias locais, ou mais pomposamente na sua tomada de posse, gera-se alguma expectativa no cidadão eleitor.
Dessa badalada cerimónia, convém realçar o seguinte: os novos eleitos ainda não se encontram em funções. Esta é uma clarificação importante pois está diretamente ligada ao arranque do cronómetro "estado de graça", que iniciará hoje a contagem na Cidade de Lisboa.
A instalação dos órgãos municipais de Lisboa permitirá que se vislumbre pela primeira vez o tom do novo edil da capital. A situação aponta-se como "complexa" e exigirá um consenso alargado, uma vez que os Lisboetas assim o decidiram no que à gestão política da cidade concerne.
Assim, afigura-se deste modo a composição e distribuição dos 17 assentos na Câmara Municipal: sete pertencem ao PS, cinco são do PSD, dois do PCP, dois do CDS e um para o BE. A presidência estará a cargo dos Sociais Democratas. Este cenário demonstra bem o quão as acessões serão fulcrais para que Lisboa possa ser gerida funcionalmente.
No caso da Assembleia Municipal a composição revela-se ainda mais intrincada. O Aliança, Livre, MPT, PAN e PPM contarão com um deputado municipal cada; os Verdes terão dois; a IL e o Chega terão três cada um; o BE quatro; o PCP terá cinco; CDS sete; PSD surge com 17, enquanto o PS terá 29 deputados municipais. Serão 13 as forças políticas representadas no órgão representativo do Município da Capital.
Por vontade popular, numa e noutra câmara da Cidade a maioria está formada à esquerda. E um dos maiores desafios do novo executivo passará por demarcar a linha vermelha que separará o executivo minoritário da extrema direita.
Numa cidade maioritariamente de esquerda, torna-se crucial a existência de um esclarecimento muito objetivo acerca dos limites até onde o executivo estará disponível a ir. Idealmente, as fronteiras da demagogia e do populismo devem ficar erigidas a priori. Por exemplo, a Alemanha arquitetou um "pacto de regime" que excluiu a extrema-direita antidemocrática do centro decisório.
O panorama municipal em Lisboa alargou o repto da administração em minoria para além do governo nacional. Os resultados ditaram que a governação deverá ser feita atendendo ao programa da coligação de direita, minoritária, mas mantendo muitas das linhas de ação que a esquerda vinha pondo em prática há vários anos.
A responsabilidade não se quedará toda à direita. Lisboa poderá vir a ser um caso paradigmático em termos de gestão partidária heterogénea. Para tal, será essencial trabalhar com medidas que não colidam entre si e não visem a mera acutilância ou desconstrução. Os lisboetas, de esquerda e direita, estarão atentos à forma como o poder será executado ou bloqueado.
Dentro de 100 dias já se perceberá melhor se as promessas eleitorais vão ou não ser cumpridas e se o desígnio do "sangue, suor e lágrimas" era realmente sincero. Há muitas dúvidas no ar e, pelo menos, uma certeza absoluta: não deve mudar tudo.