Democracia vs. algoritmo: a vitória reiterada e repetida dos algoritmos
Apesar desta crónica ser dedicada a problemáticas educativas, o efeito global da recente vitória de Donald Trump para a presidência norte-americana torna impossível desviarmo-nos deste tema, no sentido em que este ator da vida política (como outros) se tornou num paradigma do discurso político onde a verdade e mentira se tornaram completamente permutáveis. No quadro deste espaço já foi mencionado diversas vezes a importância da educação para levar os nossos jovens a depurar informações falsas das verdadeiras e desenvolver espírito crítico. Foi igualmente realçado o contributo e a necessidade da leitura para o rigor do pensamento. A leitura de suportes literários e científicos está claramente associado à aquisição de conceitos mais precisos, os quais são necessários para o desenvolvimento de raciocínios de analogia, comparação, causa-efeito, de confirmação ou infirmação de hipóteses etc., etc… Quando as palavras têm sentidos vagos e o vocabulário é reduzido, o rigor do pensamento vai entrando na vacuidade das ideias feitas e repetidas. Numa fase em que a comunicação social está em decadência na medida em que as pessoas vão buscar grande parte da informação à internet e às redes sociais, numa época em que os algoritmos determinam, em grande parte, o que leitores têm acesso nas redes sociais, a repetição das mesmas afirmações, mesmo que sejam mentira, aparentam tornar-se verdade.
Quando as falsidades reforçam crenças, preconceitos, nacionalismos, quando o absurdo se torna uma possibilidade plausível, quando o nome das coisas e o sentido desse nome se torna variável consoante os interesses dos discursos, desenvolve-se a possibilidade de lentamente se dissolver a democracia e de atrocidades serem cometidas.
Vivemos numa época da imagem. As narrativas fotográficas das redes sociais com férias, paisagens panorâmicas, vestimentas, jardins, dietas e outras coisas que tais parecem ocupar mais espaço na mente humana - e isto ao nível global - do que muitas das tragédias da sociedade atual.
Testemunhamos guerras e carnificinas diariamente na televisão, mas um gatinho ternurento no tik-tok é capaz de provocar mais emoções e empatia do que essas situações dramáticas. Estamos a dar origem a sua sociedade que valoriza mais a aparência do que os conteúdos, o individualismo do que a cooperação, a fama do que a igualdade. No meio disso tudo a empatia pelo outro vai lentamente desfazendo-se.
Os desafios para a humanidade colocados pela Inteligência Artificial (IA) e pelas alterações climáticas requerem cidadãos com sentido crítico e capacidade de decisão. A IA, ao lidar com um infinito número de dados, parece estar em situação de ser mobilizada para muitas situações que até aqui requeriam decisões humanas. Se os contributos para medicina se podem revelar formidáveis, noutros contextos – por exemplo, o militar – os resultados podem ser bem mais terríveis. Por outro lado, o agravamento das alterações climáticas terá consequências dramáticas para milhões de pessoas. Uma escola que não desenvolva o sentido crítico e rigor de pensamento poderá trazer o Inferno à Terra; ou como muito melhor afirmava Shakespeare "o inferno está vazio e os demónios andam todos por aí". Sem querer parecer catastrofista em breve isso poderá acontecer. Como nunca iremos voltar atrás do ponto de vista tecnológico, se queremos defender os valores da democracia e do humanismo precisamos mais do que nunca de uma escola de qualidade.