Democracia iliberal na Índia e o Ocidente a assobiar para o ar

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A Índia é a “maior democracia do mundo” (970 milhões de eleitores nas eleições em curso). De acordo com o Democracy Index 2023 do insuspeito Economist’s Intelligence Unit, a Índia aparece classificada entre as “democracias com falhas”, i.e., as que “permitem a possibilidade de mudança, embora os partidos no poder (ou sucessores ungidos) sejam os mais prováveis vencedores das eleições”. Neste Democracy Index, o “processo eleitoral e pluralismo” na Índia é considerado excelente, o “funcionamento do governo” e a “participação política” são bons, mas a “cultura política” e os “direitos humanos” têm fraca classificação (6,25 e 5,88/10).

No Global State of Democracy (GSoD) Initiative, a Índia consta em 66.º lugar em 2022 (era 50.º em 2017). O Instituto V-Dem [da Suécia], no seu último relatório sobre democracia, considera que a Índia se tornou uma “autocracia eleitoral”.

Quais são as razões para esta quebra dos pergaminhos democráticos do regime político indiano? Desde logo, o nacionalismo religioso hindu do BJP que tem crescido eleitoralmente com a promoção de um apartheid de base religiosa. Num recente comício, Modi voltou a utilizar retórica de ódio, chamando os muçulmanos de “infiltrados”.

Além disso, o BJP vem exibindo tendências autoritárias, manifestadas em: (i) progressiva centralização do poder, minando a autonomia de instituições como o poder judiciário e a comissão eleitoral; (ii) uso indevido de agências centrais de investigação e financeiras (ex: congelamento das contas bancárias do Partido do Congresso, semanas antes das atuais eleições gerais); (iii) crescente repressão do governo a vozes dissidentes – incluindo jornalistas, ativistas, académicos e políticos da oposição – com  acusações de assédio, detenções arbitrárias e utilização indevida de legislação sobre sedição e antiterrorismo; (iv) censura e controle dos media, por meio de intimidação e pressão sobre jornalistas; (v) imposição de restrições à liberdade na internet, incluindo o bloqueio de acesso a sites e plataformas de informação, e na implementação de medidas de vigilância que violam a privacidade.

Por outro lado, segundo a Amnistia Internacional, “estamos a assistir a uma repressão brutal dos direitos humanos, incluindo através do uso indevido de agências centrais de investigação e financeiras, ataques a protestos pacíficos, detenções arbitrárias, uso de spyware invasivo para vigilância ilegal, suspensão direcionada de líderes da oposição que ousam responsabilizar as autoridades e discriminação sistemática contra minorias religiosas para alimentar a (…) Hindutva”. Para além do tratamento de comunidades marginalizadas, como Dálites e Adivasis, tem havido apelos ao genocídio de muçulmanos, que têm sido linchados por turbas hindus sob alegações de comer ou contrabandear vacas (um animal considerado sagrado para os hindus), casas de muçulmanos foram demolidas, as suas empresas boicotadas e os seus locais de culto incendiados.

A apetência pelo mercado indiano e considerações geoestratégicas (relevância da Índia na estratégia [norte-americana] de “contenção” da China no “Indo-Pacífico”) não justificam que se assobie para o ar enquanto as liberdades civis e a democracia na Índia se deterioram, sendo que o devir próximo não augura nada de bom.

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