PCP: Deixai-os cair em tentação

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Foi lado a lado com o PS que o PCP participou numa das soluções políticas que mais estabilidade trouxe ao país. O Governo PS de 2015 conseguiu unir a esquerda e, com isso, foi capaz de reverter a maioria das medidas trágicas do tempo da troika, com resultados consensuais e positivos. É certo que o PCP limitou o seu apoio ao Parlamento, mas as conquistas da geringonça também se lhe devem. E muito.

Apesar disso, o PCP culpou esse apoio pelos desaires eleitorais seguintes e passou a fugir de soluções semelhantes como o diabo da cruz. Temendo dissolver-se ou deixar de justificar a sua existência, os comunistas recusaram voltar a cair em tentação. Por isso ninguém ficou surpreendido quando João Ferreira, veterano comunista que já se candidatou às Autárquicas de 2013, 2017 e 2021, voltou a apresentar-se como cabeça de lista da CDU para 2025. Antes de qualquer tentação, o PCP já dava o passo em frente.

João Ferreira não esconde que responsabiliza o PS por Carlos Moedas ter conseguido chegar ao último ano do mandato. “As profissões de fé numa governação à esquerda valem o que valem, quando conhecemos a opção do PS de viabilizar a gestão de Moedas”, disse em entrevista, assumindo que preferia que os socialistas tivessem bloqueado os orçamentos da Câmara, deixando a cidade ainda mais paralisada e os lisboetas sem respostas.

Neste ponto, o PCP aproxima-se perigosamente do próprio Moedas, que sonhou sempre com essa oportunidade de vitimização para escamotear a sua própria incompetência. Só que o PS escolheu outro caminho. Não impediu a governação de Lisboa, mas assinalou o seu desacordo e propôs alterações sempre que se justificava. Não alinhou em votos de protesto com consequências imprevisíveis, mesmo acreditando que Moedas é o pior presidente que a cidade alguma vez teve.

João Ferreira também culpa a reforma administrativa de Lisboa pelo caos que se vive ao nível da higiene urbana, o mesmo argumento que também serve a Moedas na sua habitual sacudidela de água do capote. Dizem que ser a Câmara a recolher o lixo e as juntas de freguesia a varrerem as ruas não resulta, confundindo uma simples divisão de tarefas com a reforma que trouxe um melhor serviço à população. As freguesias da cidade têm hoje uma gestão de proximidade que lhes permite agir de modo quase imediato no espaço público, na gestão de equipamentos desportivos e culturais e no desenvolvimento de programas comunitários.

Esquecer tudo isto não faz justiça a ninguém. Nem tão pouco a João Ferreira, que se esqueceu de pôr o dedo na verdadeira ferida: se a divisão de tarefas não funciona, por que continua Moedas a pagar às juntas para recolherem o lixo em torno dos ecopontos? É incompreensível que o decano candidato da CDU, feroz adversário das políticas de Moedas, tropece tão facilmente nesta argumentação. Para que não haja dúvidas, é à Câmara que compete a recolha do lixo, com ou sem descentralização.

Quando o PSD nos considera radicais e o PCP acha que somos moderados, algo devemos estar a fazer bem. Como, por exemplo, advogar que a esquerda devia partilhar o mesmo projeto para a cidade. Por isso, nunca é tarde para dizer ao PCP que, mesmo não alinhando em profissões de fé, ainda está a tempo de cair em tentação. Na tentação de fazer parte da solução para Lisboa.

Presidente da Junta de Freguesia de Alcântara

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