Decoro, a falta que faz

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Os últimos anos letivos decorreram sob a crescente sombra da falta de professores. Por “últimos” não se entendam apenas este e o anterior, ao contrário do que nos querem fazer acreditar ex-governantes ou alegados “especialistas” no assunto, que, ainda há um punhado de anos, afirmavam que o problema não existia ou que se devia apenas ao absentismo docente, sem analisar as suas causas.

A pandemia, com a possibilidade do teletrabalho, permitiu que uma quantidade, por apurar, de docentes que não estavam em condições físicas ou psicológicas para se deslocarem às escolas e salas de aula, voltassem a lecionar. Esse é um facto que tem sido frequentemente esquecido por quem trata este assunto. Há indicadores que ficam por tratar de uma forma que só se pode aceitar a quem não conhece a realidade quotidiana das escolas. A pandemia ajudou a ocultar uma carência de professores que se começara a sentir nas zonas com mais forte pressão demográfica, pelo menos desde o ano de 2018-19, quando já era difícil encontrar quem substituísse docentes de baixa mais ou menos prolongada, mas a quem eram “atribuídas” turmas.

No imediato pós-pandémico, a atenção pareceu exclusivamente concentrada numas alegadas “perdas de aprendizagem” dos alunos, quando do que se tratava era de aprendizagens não-realizadas, com ou sem pandemia. E delinearam-se planos, sem ter em atenção a verdadeira natureza do fenómeno, do lado dos alunos, e dos meios humanos para o resolver, do lado dos professores.

A coincidência com a estagnação ou declínio dos resultados dos alunos portugueses em testes comparativos internacionais levou a uma útil confusão entre os efeitos da pandemia e os de outros aspetos estruturais, como as mudanças curriculares, a deslocação da responsabilidade do insucesso para os docentes e o imperativo de “projetos” sem avaliação rigorosa das suas vantagens. Preferiu-se o simplismo demagógico de apontar o dedo a greves que causaram uma perda muito menor de dias de aulas do que a crescente penúria de professores.

Pela primeira vez em décadas, um concurso externo deixou vagas por preencher, devido a regras que não tinham em conta a assimetria entre procura e oferta. Depois da fase da negação, as medidas para minorar a situação foram passando ao lado do essencial, antes de se destacarem pela dispersão e não pela adequação.

Entretanto, surge novo estudo (desta vez do Edulog) que dramatiza a situação, com dados fornecidos pelas entidades oficiais que parecem preferir que sejam organizações externas a tratá-los. Organizações formadas, em grande parte, por antigos governantes, que produzem estudos feitos com recurso a “peritos” que não conseguiram ver o problema em tempo útil, mas que agora se alimentam dele. E ainda fazem recomendações. Eu recomendaria decoro em doses generosas.

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