Declinações de grandeza
A nova Administração Trump entendeu por bem tomar, de entre várias, duas medidas emblemáticas, logo nos seus primeiros dias. Emblemáticas, infelizmente, no sentido de um amesquinhamento na decisão. E bons exemplos também de como pode uma pessoa, chegada ao poder, afetar a vida de tantas outras. Para um presidente que se transfigura em semideus ao gritar em loop por “grandeza, grandeza!”, não está mal.
Primeiro, o acerto de contas pessoal - e que fora anunciado previamente durante a campanha eleitoral. Conta a imprensa norte-americana como a nova Administração tem realocado e alterado as funções, de forma acintosa, e tem favorecido o despedimento, de procuradores do Departamento de Justiça norte-americano - precisamente os que procuraram investigar e acusar o Presidente.
Sabe-se bem como é exótica, para nós, pelo menos, a absoluta unidade entre “Ministério da Justiça” e “Ministério Público” que se encontra nos Estados Unidos. O responsável pela política de Justiça é o mesmo responsável pela máquina da ação penal, esta passível, aliás, de negociação, acordos e escolhas de cariz estratégico ou outro em relação a factos que constituiriam crime.
Mas, mesmo tendo em conta o modelo, não deixa de impressionar a sanha, por mais legal que ela seja, na forma como se tratam procuradores nomeados e promovidos precisamente pela anterior Presidência de Trump. Os que rapidamente deixaram de ser leais, ao investigarem o Presidente. Essa ideia distorcida de lealdade que muitos líderes assumem no poder, algo nitidamente também do foro psicanalítico.
Depois, o acerto de contas para com a Administração democrata anterior e em relação a um sentido de generosidade e de dever de cuidado em relação aos outros, aos objetivamente mais frágeis e mais necessitados, aproveitando a onda xenófoba que o elegeu: a nova Administração suspendeu vários programas de ajuda humanitária, designadamente em África. A grandeza, mais uma vez, fendida no seu sentido.
Determinou a suspensão do programa norte-americano PEPFAR, por exemplo, o maior programa de prevenção e tratamento do VIH/Sida do mundo, que, nos números e no discurso do próprio Departamento de Estado norte-americano, “salvou a vida a mais de 25 milhões de pessoas” desde 2003, momento em que foi lançado pelo Presidente - republicano - George W. Bush.
O VIH/Sida continua a ser a principal causa de morte de adultos em vários países da África subsariana e um programa de prevenção e de acesso a medicamentos (já agora, norte-americanos) para o tratamento da doença talvez fosse de continuar...
Neste momento, já haverá tratamentos interrompidos por esta decisão e há 20 milhões de pessoas que apenas têm - tinham - acesso a medicamentos através deste programa de cooperação.
Para quem tanto efabula sobre grandeza, aqui está ela, em todo o seu esplendor.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa