De Biden a CR7: o “estou demasiado velho para isto”
A discussão acerca da (in)capacidade de Joe Biden para se recandidatar à presidência dos EUA dada a sua avançada idade está a ter o efeito colateral de repararmos um pouco na idade de muitos dos líderes mundiais - para concluirmos que, em comparação, mesmo em regimes autoritários, Biden está muito acima da média (que, de acordo com o Washington Post, é de 62 anos). E Donald Trump, só três anos mais novo do que o rival - e, curiosamente, da mesma idade do presidente brasileiro, Lula da Silva - manterá os EUA no top dos países liderados por pessoas mais velhas.
O recordista, já agora, é o presidente dos Camarões (não propriamente uma democracia pujante: está no cargo ininterruptamente há 42 anos, apesar de se realizarem supostas eleições multipartidárias desde 1992...): Paul Biya tem 91 anos. Comparativamente, o presidente chinês, Xi-Jinping, aos 71, é um jovem...
Sempre assim foi: nos regimes ditatoriais ou autoritários, os líderes tendem a ser mais velhos. Lembro-me bem - e assim se nota que nasci nos Anos 70 (pelo que me sinto já quase a passar de validade) - como, no tempo da Guerra Fria, das raras vezes que do outro lado da Cortina de Ferro se mudava um dirigente, se dizia “lá vem mais um velho”. Isto até Gorbachev, que assumiu o controlo da URSS aos 54 anos. Muito já se disse e escreveu sobre a relação entre esta relativa juventude e ter tentado, por fim, reformar por dentro aquele Estado já irremediavelmente falido. Ainda hoje, os militantes do PCP (pelo menos todos os que conheço) se recusam a aceitar a realidade e chamam “incompetente” e “traidor” ao homem que salvou milhões da miséria abjeta de décadas de um regime que já nem sapatos ou papel higiénico conseguia fornecer aos cidadãos, nem em Moscovo...
Mas estou a afastar-me do ponto.
A relação entre idade e “capacidade” - i.e., se, naquilo que fazemos, ainda somos capazes de ser uma mais-valia ou se já estamos apenas a marcar passo - varia de tal forma que apenas pode ser aferida caso a caso. Facto é que, nunca como hoje se viveu até tão tarde e com tanta qualidade, literalmente em todo o mundo, e espera-se que o número de centenários atinja os 400 mil nos EUA e o meio milhão na UE em pouco mais de duas décadas.
Ou seja, cada vez mais faz sentido que o ser humano lide com a idade apenas como “um número”, como se costuma dizer.
Mas, quer se queira, quer não, especialmente numa civilização em constante e ultrarrápida mudança, tem de chegar um momento em que cada um de nós tem o dever - até perante as gerações mais novas - de fazer a autocrítica brutal de perguntar: “Será que já estou demasiado velho para esta tarefa?”
Até porque chega a hora em que os sinais exteriores são por demais evidentes - em especial quando se tem um cargo público: tal é patente em Joe Biden, só não vê quem não quer; mas também no próprio Trump - apesar de ele, de facto, ser um fenómeno que, como o próprio disse, poder, se quiser, matar alguém na 5.ª Avenida e não perder um voto por isso... Mas essa é outra história.
E se Vladimir Putin deixou cair a máscara de vez aos 70 anos (tem agora 71...), o seu grande amigo bielorrusso Alexander Lukashenko já vai nos 69... Jovem, comparativamente com os 78 anos de Daniel Ortega, de novo no poder na Nicarágua.
Olhando para todos os nomes citados, menos se compreende a teimosia de Biden, cuja defesa pela democracia é inquestionável, em não se importar de aparecer nesta companhia. Como escreveu na semana passada um cronista do Washington Post, há de facto algo um pouco “trumpista” na ideia do presidente dos EUA de que apenas ele será capaz de derrotar o rival republicano. Um ideia (errada) de que é uma missão de vida, apesar de todas as provas (em vídeo...) contrárias.
Só que o mesmo vemos acontecer noutras áreas. Ainda agora, no Euro2024, foi bem patente que Cristiano Ronaldo já não está com competitividade suficiente para ser titular daquela equipa. Houve vários momentos (e contra a França foi praticamente o jogo todo) que a seleção portuguesa parecia estar a jogar com menos um elemento em campo, tendo em conta a já incapacidade de CR7 de ajudar os companheiros de equipa nas recuperações e na construção de jogo. No entanto, o próprio ou não o percebe ou, percebendo, acredita que a mais-valia que traz ainda compensa.
Mas aqui entramos noutro problema que a sociedade ocidental teima em não conseguir resolver - e que, quero acreditar, as culturas orientais, em especial a japonesa, conseguem lidar bem melhor: como fazer com que alguém que já ultrapassou o seu pico não se sinta obsoleto.
Lá, os mais velhos tendem a ser honrados pela sua experiência, consultados porque existe a noção de que a vida ensina muita coisa e que, de outra forma, estamos condenados a repetir sempre os mesmos erros e, acima de tudo, por tradição, são valorizados. Não precisam estar em lugares de ação para sentirem que fazem parte do quotidiano, o dia a dia vem ter com eles porque é preciso. Pelo menos é esta a tradição.
Por cá, fazemos o inverso. Parece que se não estivermos “a mandar” no nosso mundo, seja ele a Casa Branca, o campo da bola ou o momento em que pedimos o café e o bagaço ao balcão já não valemos nada. O que, ainda por cima, é injusto para quem vem depois de nós, porque, ao nos perpetuarmos nas profissões, nas atividades ou até no tempo de espera na fila estamos a tirar lugar a quem quer progredir.
Infelizmente, nem todos temos o talento, inteligência e liberdade (e, consequentemente, o dinheiro) de Bill Gates, que quando percebeu já não ser uma enorme mais-valia para a Microsoft foi-se embora da empresa para se dedicar à sua fundação. Mas podemos, pelo menos, e cada um à nossa medida, almejar a algo parecido - mudar de atividade, reinventarmo-nos, ou simplesmente ir para a reforma, se já for caso disso. E assim sair do caminho dos mais novos que, de certeza, têm ideias mais frescas do que nós. Podem não ser muito melhores, mas pelo menos são outras.
Editor do Diário de Notícias